Opinião: À Mesa com Portugal – O valor dos alimentos
Com o discurso da sustentabilidade sempre atento debaixo da língua a tropeçar em cada frase que se quer dizer sobre o futuro da gastronomia portuguesa pergunto-me como medimos o valor dos produtos alimentares. Para além da tabela de custos que se faz, qual o valor do que comemos?
Como medir verdadeiramente o valor de um pastel de Tentúgal, um rebuçado de Portalegre, um queijo Serra da Estrela ou de Azeitão, um vinho da Bairrada? Tomamos em linha de conta o tempo que demora a fazer? A arte que exige? Os ingredientes de qualidade imprescindíveis? Ou olhamos por comparação ao outro que é mais barato, mais em conta, mais acessível considerando que quem apresenta um preço mais alto está a desconsiderar quem compra quase como se fosse um atrevimento e uma falta de respeito?
Falamos da necessidade de preservar os ecossistemas e de manter a autenticidade dos produtos nunca renegando o valor do trabalho humano impresso em cada alimento produzido. No entanto, chegada a hora comparamos produtos e duvidamos do preço.
Espanto-me com a disponibilidade para pagar um valor considerável por uma carteira, uma gravata, um par de sapatos e a forma como se recusa e se torce o nariz perante os preços dos produtos alimentares. O mal não é o preço dos outros produtos, mas a forma como olhamos os produtos alimentares e os desconsideramos na escala do seu valor. Talvez por isso me arrepie quando ouço os anúncios das grandes superfícies referindo o baixo valor do cabrito, do borrego, do bacalhau, do atum, etc. Animais abatidos para o sustento. Mas vistos como objetos.
Esse é um dos principais problemas da produção nacional. O custo tem que ser baixo, até pode ser alto, mas só depois de sair do produtor. No local de produção tem de ser baixo, mas se for vendido em Lisboa ou noutro lugar qualquer citadino já pode atingir um valor mais elevado, porque é um produto “local”, “tradicional”, “cheio de história”, “feito pela Ti…”, “um tesouro”, “uma sorte ainda se arranjar”. Mas e o produtor, o que ganhou ele no meio desta relação comercial? Um pastel de Tentúgal, exemplo que me é próximo, encontra-se à venda por vários preços, quer no local de origem, quer noutros sítios já fora da vila. Todos admiram o trabalho que está por detrás, todos se encantam com a massa delicada e transparente, mas depois alguns exemplares são vendidos abaixo do custo de produção sendo, claro está, que quando chegam a outras paragens já o intermediário se faz valer bem do produto que vai vender.
É certo que o consumidor necessita de literacia alimentar, precisa saber como se chega ao resultado final para que possa apreciar devidamente todo o valor envolvido. O intrínseco, dito alimentar, e o valor patrimonial que tem de estar refletido no preço de venda e que acumula ao custo de produção. Talvez o exemplo devesse vir de cima. Há anos que se fala na necessidade de assinalar o reconhecimento do património material e imaterial da gastronomia. Mas, longe do que já aconteceu com os castelos, museus e qualquer peça material continuamos a olhar muitos dos nossos tesouros gastronómicos apenas como comida. Comida, muitas vezes, regateada pelo preço mais baixo e deixada à beira do prato, pelo desconhecimento do valor que ela tem. O valor ainda escapa a muitos e a sustentabilidade é, definitivamente, um conceito na moda e não uma prática sentida. Pois que a sustentabilidade também são as pessoas.