Opinião: “Parure e trabalho”
Parure é um set de joias que combina e faria sorrir qualquer mulher com gosto pela fantasia ou a beleza dos objectos. Há hoje muitas mulheres que recusariam a parure por questões ideológicas. A palavra vulgarizou-se para denominar futilidades, objectos que só existem porque a colecção de necessidades está completa. O tipo que carece de comida não é previsível que compre uma bela caneta ou entre numa loja de fatos. O rapaz que precisa de calças e sapatos não seria imaginável a degustar no Gambrinus ou no JNcQuois. Mas a futilidade é a substância da vaidade, a peça que completa a selectividade, que distingue a aristocracia. Nós podemos viver sem milhares de frivolidades, podemos reduzir o guarda roupas, podemos estilizar a colecção de sapatos, reduzir o número de coisas que ficam para lá da nossa morte. Reduzir a pegada também é ideologia. Podemos, mas não o fazemos de modo rotineiro. Em todos há esse nicho de vaidade que opta pelas boas marcas, pelos produtos expostos e propagandeados nas revistas caras, pelas coisas que os actores nos escarrapacham nos écrans. A arte está no conjunto de pilares que não alimenta, não paga a escola, não paga a saúde e portanto esmorece nos dias de carência. Se não há para a renda, ou para o banco, ou para os impostos é estranho ver-te comprar parure, entrar na galeria, negociar um quadro. A crise económica associa-se a uma brutal insensibilidade dos que podem em relação aos que nada têm. Aumenta a susceptibilidade dos que buscam o básico sobre os que pavoneiam o inútil. A discussão do preço dos ovos entre uma “dondoca” e uma rural é estranha e remete para esse momento enganoso de quem ganhou no despique ou no regateio. Que ganhou o milionário em baixar o preço daquela garoupa, por vezes arrancada com perigo e dor ao mar? O preço médio da empregada doméstica está neste limbo de relação. Umas receberiam mais que outras consoante o patronato. Uns remuneram melhor porque podem e desse modo valorizam o funcionário. Mas numa fábrica e num contrato colectivo isto não pode acontecer. A sofisticação do valor do trabalho podia ser pois uma parure. Um empregado que nos “enche a esplanada” é um valor acrescentado e devia ser premiado na remuneração. Premiar com a remuneração é uma futilidade? Porque será errado dar salários diferentes, consoante a dedicação, o empenho e a disponibilidade? Dar joias à empregada seria assédio, mas melhorar o seu ordenado parece-me justo e uma aristocracia. Defendo esta ideia de parure dos salários. Quem merece deve ser premiado.