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Opinião: “Os homens providenciais”

16 de agosto às 11h51
4 comentário(s)

O cronista Rui de Pina assinala a morte d’El-Rei D. João I a 14 de Agosto de 1433, véspera da Assunção da Virgem Maria e aniversário da batalha de Aljubarrota. Contudo, parece ser hoje consensual entre os historiadores que o rei não faleceu a 14, mas sim a 13 de Agosto, tendo a data sido convenientemente atrasada de forma a sublinhar os favores do Céu para com tão ilustre defunto e, sobretudo, para com a nova dinastia por ele fundada.
Táticas como esta, mais sofisticadas ou mais ingénuas, são desde há muito utilizadas para elevar os méritos daqueles que ocupam lugares de comando. Contudo, mais perturbador do que o recurso a expedientes, por parte de alguns, para burilar currículos, é a necessidade de muitos em encontrar líderes providenciais, de perfil perfeito, em que possam confiar cegamente. Naturalmente, a margem para desilusão é grande, sobretudo nas modernas democracias em que a informação circula rapidamente e os deméritos das figuras destacadas tendem a ser escalpelizados com um nível de pormenor que deixaria em maus lençóis não só a El-Rei D. João I mas também à maior parte da sua ilustre ascendência e descendência.
Estes desiludidos do messianismo humano tendem depois a desenvolver um mecanismo de defesa igualmente infantil, duvidando de todo e qualquer ser humano, especialmente se alvo de destaque ou em posição de liderança. Estes órfãos do sebastianismo alimentam-se subsequentemente de teorias da conspiração construídas por outras pessoas, essas sim da maior confiança, e que a partir de algum recanto da internet revelam verdades cósmicas sobre a cor de Marte, a história náutica ou os efeitos da vacinação.
O cristianismo apresenta a este respeito uma forma de estar muito vantajosa: por um lado, ao afirmar que o Messias já veio, liminarmente exclui a vinda de qualquer outro. Por outro lado, ao afirmar a natureza limitada de cada ser humano, constantemente apela ao amor ao próximo, incluindo na correção das suas faltas. (Sendo escusado lembrar que, no passado, presente e futuro, muitos “cristãos” não perdem o ensejo de corrigir as faltas alheias esquecendo-se de o fazer em amor pelo próximo.) Os três papas mais recentes, cada um a seu modo, deram importantes contributos na luta contra uma perniciosa forma de messianismo papal que tão maus resultados deu no passado: S. João Paulo II com a imensa fragilidade que caracterizou os seus últimos anos, Bento XVI com a revolucionária renúncia ao papado, Francisco com o permanente pedido em todas as suas intervenções: “Rezem por mim.”
O cristianismo é, contudo, suficientemente audacioso para afirmar a fé na humanidade, quando unida no Amor. Parafraseando o bem-humorado apelo de Joseph Ratzinger aos não-crentes, talvez não seja verdade, mas é algo em que vale a pena acreditar.

P. S. O desaparecimento prematuro de Norberto Pires é fonte de profundo pesar. Académico distinto, a sua energia, dedicação, visão e inconformismo far-nos-ão a todos muita falta.

Pode ler a opinião de Rui César Vilão na edição impressa e digital do DIÁRIO AS BEIRAS

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4 Comentários

  1. Mel diz:

    O catolicismo apresenta uma forma de estar muito vantajosa, Sr. Rui César Vilão. Já o cristianismo é um pouquito mais complicado… Mas para isso, não seja a formatação do Sr. Rui César Vilão definitiva e perenal, tem um Ludwig Feuerbach. Em particular para o Sr. Rui César Vilão serviria bem um tomo particular de Ludwig Feuerbacha a cura di Francesco Tomasoni: L'uomo è ciò che mangia.
    O Sr. Rui César Vilão é muito engraçado, mas ocupa-se e lê sempre do mesmo. Ao passo que outros e outras menos conformados que o Sr. Rui César Vilão lêem de tudo, porque é assim que se realiza um cérebro crítico.
    Estamos desejosos do próximo artigo do Sr. Rui César Vilão, que sugerimos verse sobre mulheres providenciais. Já se está a prever o que daí vai provir…

    P.S. – O desaparecimento do mortal deste Mundo, de nome Norberto Pires, vai deixar os seus mais próximos de afecto, saudosos do Mundo Possível por vir. E a robótica, em estado de equívoco.

    • Mel Ref. CRM:0066082 diz:

      Feuerbacha, não. Feu-er-bach. Feuerbach. Ludwig Feuerbach.
      Tal como Chewbacc, não. Chewbacca.
      Um, incorrecto por paragoge, acréscimo. Outro, por apócope, redução.

      "I saved him, at least that's what he says, the big fuzzy fool, but really, he saved me. I was on a bad path, and Chewie, he put me straight. Saved my shanks more than once too."

      ―Han Solo, on Chewbacca
      https://starwars.fandom.com/wiki/Chewbacca

  2. Um Republicano diz:

    O Sr. Rui César Vilão, ao defender João Paulo II e Razinger, está implicitamente a defender o encobrimento de casos de pedofilia no seio da Igreja, o que é muito grave, pois torna-o também cúmplice.

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