Opinião: À Mesa com Portugal–Do tostãozinho e do cupãozinho
Sei que devemos ser otimistas, ainda mais porque se avizinham eleições e promessas de mudança. Contudo, sinto tristeza quando penso em nós, portugueses. É ver áreas comerciais, as lojas, as gasolineiras, atulhadas de gente a usarem os talões de descontos, os cupões de oferta, as promoções. É olhá-los e ver o seu ar satisfeito com o saldo que tinham no cartão, com o que compraram com desconto, com o que levam de graça. Sempre me quis parecer que uma sociedade que usa tal discurso como estratégia comercial está doente e reflete um público de poucos recursos.
É que, o que me parece é que vamos todos atrás de uma realidade que não existe, de um paraíso de consumo que apenas é mensageiro do interesse de quem vende. E nós, contentes, alegres, sorridentes, vamos atrás. Talvez tal nos faça viver numa espécie de letargia, de crença de que temos alguma coisa sob controlo. Vamos atrás das promoções e dos descontos sem conhecermos o que é o custo inicial, sem refletirmos porque tal estratégia faz parte da venda. Afinal, uma coisa são os saldos, prática comercial que tinha em vista tentar limpar as coleções da época e preparar os armazéns e as montras para outra etapa. Outra coisa, é a mentalidade do cupão que, supostamente, vai baixar o valor da fatura.
E tal agrada ao poder político. Afinal, povo contente com o desconto fica sossegado e tranquilo, não reclama. Constata-se a pobreza, sabe-se que se vive, em muitas famílias, no limite do que se ganha ou do que o cartão bancário permite, mas passa-se a mensagem de que Portugal nunca esteve tão bem como agora. Será? Gostava de concordar, mas como a maioria dos portugueses não é magnata do retalho ou de alguma área comercial, sinto muitas dúvidas. Queria sim ver os impostos a baixar. Queria sentir mais justiça social sem a anestesia do subsídio ou o morno impulso às famílias e às empresas de pequena escala. Queria que o Estado (essa coisa gigante que parece não ser feita de pessoas) fosse cumpridor como exige que os cidadãos sejam com ele.
Um pouco cansada deste sistema onde a política se discute em função da fulanização e onde as ideologias só servem para dar nomes aos partidos. Talvez seja altura de percebermos que a liberdade não é só tema de saudosa memória, ela é uma necessidade aqui e agora.
Pode ler a opinião na edição digital e impressa do Diário As Beiras