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Opinião – O que o país pode fazer pelos imigrantes é deixar que eles façam pelo país

24 de março às 20h20
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O Chega elegeu dois deputados e conquistou o voto da emigração com 18,60%. Foi o partido mais votado no círculo da Europa e no círculo fora da Europa ficou em segundo lugar. Há pelo menos cinco mil portugueses a viver no estrangeiro que militam neste partido de extrema-direita. Há milhares de portugueses que, vivendo num país que não é o deles, recusam abrir Portugal à imigração.
No que diz respeito ao tema “fronteiras”, o programa eleitoral do Chega é uma longa lista de medidas racistas e xenófobas, que propõe fechar Portugal à imigração e reduzir drasticamente os direitos dos imigrantes a viver em Portugal. Deixo alguns exemplos: “estabelecer quotas anuais para a imigração assentes nas qualificações, nas reais necessidades do mercado de trabalho do país e nas mais-valias que os imigrantes possam trazer a Portugal”, “revogar o acordo de mobilidade entre os países da CPLP e, consequentemente, acabar com a autorização de residência automática aos imigrantes da CPLP”, “alterar a Lei da Nacionalidade no sentido de a atribuir apenas a quem conhecer a língua e a cultura portuguesas”, “rever as condições de repatriamento no sentido de reconduzir ao país de origem quem não demonstrar capacidade de auto-subsistência, num período compreendido entre 6 a 12 meses”, “criar o crime de residência ilegal em solo português e impedir a permanência de imigrantes ilegais em território nacional, assegurando que quem for encontrado nessas circunstâncias fica impedido de regressar a Portugal e legalizar a sua situação nos cinco anos seguintes”. Foi nisto que quase 20% dos emigrantes portugueses votaram. Como é que é possível?
A emigração faz parte da história portuguesa: é uma realidade antiga e com números muito significativos. Só entre 2001 e 2020, já no século XXI, deixaram o nosso país, em média, mais de 75 mil pessoas por ano, números que acrescem aos das grandes vagas migratórias da segunda metade do século XX. Dizemos, com orgulho, que em cada canto do mundo há um português – e é capaz de ser verdade. Hoje, haverá mais de 2.1 milhões de portugueses espalhados pelo mundo. Em termos relativos, a emigração portuguesa é a maior da Europa e a oitava maior do mundo. Somos e sempre fomos um país de emigrantes. Esta história é também a minha: sou filha, neta e bisneta de emigrantes e também eu já vivi e trabalhei noutro país. A mobilidade faz parte da história do mundo e o sonho e a procura fazem parte da história da humanidade.
As políticas públicas de imigração devem basear-se em factos e não em populismos baratos. Em 2022 os imigrantes deram à Segurança Social (SS) sete vezes mais do que receberam. Segundo o Observatório das Migrações, os imigrantes são 7,5% no total da população, mas o seu peso entre os contribuintes é de 13,5%: foram 87 contribuintes por cada 100 residentes, enquanto os portugueses foram 48 por cada 100. É fácil traduzir estes números numa conclusão prática: nós precisamos dos imigrantes. Eles dão um forte contributo à economia e asseguram necessidades para as quais não haveria resposta sem eles. Muitos dos estrangeiros que vivem em Portugal têm trabalhos precários, mal remunerados e com maior risco, na construção civil, hotelaria e restauração e no serviço doméstico. Muitos estão em funções abaixo das suas qualificações, muitos trabalham mais horas do que os portugueses. E apesar de haver muitos desempregados, recorrem menos às prestações da Segurança Social. Em que é que os imigrantes ameaçam a prosperidade do país?
As políticas públicas de imigração de um país democrático devem considerar os números mas, acima de tudo, respeitar e proteger a dignidade humana e defender os direitos fundamentais de todas as pessoas. Precisamos, sim, de um processo ágil de regularização, que permita aos imigrantes uma integração efetiva no país; de um programa célere de reconhecimento de habilitações; de programas bilingues que garantam um processo eficaz de inserção escolar das crianças imigrantes, para assegurar o futuro. E precisamos de empatia, de solidariedade e de honrar a nossa história, acolhendo como também fomos e somos acolhidos. O voto da emigração portuguesa em propostas anti-imigração é vergonhoso, hipócrita, antinatural e desumano. Quando perguntamos o que é o que o nosso país pode fazer pelos imigrantes, estamos a responder à pergunta: o que é que os imigrantes podem fazer pelo nosso país? A imigração precisa de políticas de integração e não de exclusão. O que o nosso país pode fazer pelos imigrantes é deixar que eles façam pelo nosso país.

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