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Opinião – O medo e a zanga

19 de julho às 12h05
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Não me lembro de tanto se falar no medo, poucos se lembram de tanto se viver com medo. Mas toda a gente sabe o que é o medo. O medo que nos paralisa, que tolda o raciocínio e que nos leva a atitudes irracionais. O medo que nos desune, que nos torna presas fáceis de quem nos queira manipular. E quem nos manipula nem sempre é o que nos ameaça. De facto, o medo resulta sempre de uma ameaça, mas a que temos hoje perante nós é invisível. Por isso, pode vir de todos os lados, em especial dos outros, às vezes daqueles a quem mais estamos ligados.
O medo é uma emoção universal que pode salvar a vida a qualquer ser que tenha a possibilidade de fugir. Quando a fuga não é possível, pode ocorrer a paralisia ou o desmaio que em circunstâncias extremas nos pode salvar a vida. Basta pensar em quantas pessoas se salvaram de um ataque terrorista por terem desmaiado. Porém, de que poderemos nós fugir perante uma ameaça invisível? – De tudo e de todos, que é aquilo que nos aconselham.
Mas nem sempre respondemos a uma ameaça com a fuga. Outra resposta possível é a luta, e a emoção correspondente é a zanga. Estamos então zangados com algo invisível que nos ameaça mas que, dizem, sai da respiração dos outros, sem nunca sabermos de quem. E por muito que esbracejemos, não a conseguimos destruir. Mais uma vez, é uma zanga sem objectivo que se pode dirigir a toda a gente. Para quem passa pela rua, mergulha nas redes sociais ou se expõe aos media, é visível essa zanga universal.
O fenómeno nem é novo. Foi há muito descrito, entre outros, por Albert Camus (A Peste) e por Philip Roth (Nemesis, a propósito da então desconhecida e caprichosa poliomielite). A diferença é que não existiam nessa altura os meios de comunicação social que hoje amplificam as emoções, e que a ameaça seria então para levar mais a sério.
Hoje, no tempo da globalização, tudo é diferente, embora exista maior conhecimento e capacidade de controlo. Mas a nossa percepção da ameaça é maior do que ela própria. E deixámos de viver. Não vivemos nós por causa do medo, não deixamos viver os outros por causa da zanga. Veremos o que acontece quando a zanga se sobrepuser ao medo.

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