Opinião: “Novo Ciclo Político (IV) – Trabalho Digno no SNS – Salário Emocional”
No recente debate do Orçamento do Estado para 2022, o Governo reiterou que é urgente implementar a Agenda do Trabalho Digno para “reforçar a qualidade das relações laborais”, a “valorização das carreiras profissionais” e a implementação de uma estratégia nacional de segurança e saúde no trabalho.
Há estudos que apontam para um número crescente de profissionais de saúde que desejam sair do SNS. O curioso é que o motivo mais destacado para esta mudança é a procura por um trabalho mais alinhado com o propósito de vida, seguido da sensação de haver poucas oportunidades de crescimento nas suas carreiras profissionais, em detrimento do motivo clássico, que costumava ser a insatisfação com o salário.
Cada vez mais, os profissionais de saúde valorizam a possibilidade de terem tempo dedicado para o desenvolvimento pessoal e profissional, realizando o menor numero possível de horas suplementares.
As Unidades de Saúde como organizações positivas com autonomia funcional e técnica (USF e Centros de Responsabilidade Integrados), devem ter a possibilidade de gerir a componente do dito salário emocional e incentivos institucionais.
Esta remuneração emocional pode ser promovida de diversas formas, nunca esquecendo que o profissional de saúde deve obrigatoriamente ser um agente ativo na administração desta componente salarial, conjuntamente com a sua Unidade/CRI, ao indicar o que pode ser melhorado nas condições que lhe são oferecidas.
Quando me refiro ao salário emocional, estou a falar de matérias da autonomia responsável das USF e CRI com horários flexíveis, apostando em modelos híbridos, flexibilizando as várias modalidades de trabalho possíveis. Por exemplo, o horário destinado aos contatos indiretos e à telemedicina, pode muito bem ser realizado com acordo do profissional em teletrabalho.
A Apple e o Google estão por exemplo, a trabalhar no modelo híbrido de três dias no escritório e dois dias em casa, Não será uma tendência para o futuro?
O salário emocional, possibilita também a autonomia responsável para a gestão de folgas e férias, eliminando burocracias, criando espaços de lazer na unidade e fora dela, atividades de team building, programas de formação contínua, transparência e prestação de contas em relação aos objetivos da unidade, contratualização interna e possibilidade real e a tempo e horas de progressão técnico-científica na carreira, por períodos mínimos de sete anos.
Atualmente, o salário emocional, é algo incontornável que deve ser generalizado a nível do SNS na implementação da “Agenda do Trabalho Digno”- Por acaso, já é uma realidade legislativa nas USF desde 2007 com a definição dos incentivos institucionais que se traduzem, num montante financeiro a aplicar no acesso a informação técnica, na participação em conferências, simpósios, colóquios, cursos de formação e seminários, no apoio à investigação e na melhoria das amenidades de exercício de funções da equipa multiprofissional.
O problema é que a máquina administrativa e burocrática, desde há cinco anos que encara este investimento como uma despesa adicional, não compreendendo que estariam a realizar um investimento que valoriza o trabalhador, estimulando a equipa a realizar um bom trabalho e a manter o seu interesse em permanecer na organização.
O futuro do trabalho não é e nem pode ser apenas a existência de robôs a substituir humanos. O futuro passa obrigatoriamente por menos horas de trabalho (máximo de 40 horas) e melhor qualidade do tempo do não trabalho.
Ter dinheiro é bom, mas não é tudo. Há a leitura, a música, a poesia, o amor e o resto, mas há também a “coisa prosaica” de ter qualidade de vida no trabalho.
Num tempo em que Portugal tem a média dos salários mais baixos dos países da União Europeia, resta-nos aguardar que os altos dirigentes do SNS, compreendam e valorizem este novo (velho) conceito, generalizando a aplicação de incentivos institucionais ou salário emocional a todas as Unidades de Saúde do SNS.
Como disse Ayn, “podemos ignorar a realidade, mas não podemos ignorar as consequências de ignorar a realidade”.