Opinião – Nas grandes alamedas não há espaço para manifestações anti-imigração
Vários grupos de extrema-direita estão a organizar uma manifestação anti-imigração, uma marcha anti-Islão, para o final da próxima semana, no Martim Moniz, em Lisboa. A escolha do local não é inocente – nada disto é inocente. O Martim Moniz é, por excelência, a geografia do melting pot da Capital: neste bairro, convivem pacífica e harmoniosamente realidades culturais diferentes. É um bairro com muitos mundos dentro, com respostas multiculturais de restauração, comércio e cultura. Várias ilhas que compõem um grande, feliz e cosmopolita arquipélago, em plena Lisboa. Agora, um grupo de pessoas decidiu vir para o espaço público gritar que estas comunidades não são bem-vindas no nosso país, na nossa Capital, na nossa mesa partilhada com o mundo. Quando é que começámos a naturalizar comportamentos racistas, xenófobos e discriminatórios?
Ainda está em aberto a possibilidade de proibição da manifestação pelas autoridades, estando marcada uma reunião entre a PSP, a Câmara de Lisboa e o Ministério da Administração Interna para debater a segurança do evento. Esperam-se confrontos, até porque há associações antifascistas a preparar um contra-protesto no mesmo local. Em vez de tomarem uma atitude em relação à ilegalidade da ação, as autoridades estão a tentar perceber como é que vão gerir este desastre iminente. Há riscos reais para a segurança das comunidades que habitam o Martim Moniz, fruto de uma ação ilegal, mas usamos paninhos quentes para tratar o tema. Quando é que passámos a ser tolerantes com a intolerância?
A Câmara Municipal de Lisboa, que em 2020 se declarou “cidade antirracista”, aprovou um voto de repúdio à manifestação. Agora, é preciso ser consequente com esta tomada de posição. Ser condescendente com ações racistas e xenófobas, que alimentam o ódio e a intolerância contra pessoas que vivem e trabalham no nosso país – cidadãos de pleno direito, que escolheram Portugal para criar as suas famílias – é passar a ideia de que é aceitável a emigração ser um tema incómodo, em 2024, num democrático país europeu. Não é.
Aceitar que andem na rua a gritar palavras anti-imigração é normalizar atitudes que, para além de serem absolutamente inaceitáveis, são ilegais. O crime de incitamento ao ódio e à violência encontra-se previsto no Código Penal português e é punível com pena de prisão. O crime de “discurso de ódio” decorre da conduta de quem, através de divulgação pública, provoque ou incite a prática de atos de violência, difamação, injúria, ou ameaça a pessoas ou grupos de pessoas, em razão da sua etnia, nacionalidade, religião, género, orientação sexual ou deficiência. Mais: a tipificação do ilícito penal exige que a conduta punível se realize no espaço público. Não é preciso ser jurista para perceber o que isto significa.
O que eu espero do meu país é que garanta a proteção das pessoas que nele vivem e trabalham – de todas as pessoas e não apenas das que nasceram em Portugal, das que têm a pele da cor da minha ou professam a minha religião. Há uma carta aberta, assinada por milhares de pessoas e coletivos, endereçada ao presidente da República Portuguesa e outras autoridades, intitulada “Contra o racismo e a xenofobia, recusamos o silêncio”, a pedir aos órgãos de soberania para cancelarem este evento antimuçulmano. Junto a minha assinatura a estas e faço-o precisamente porque defendo a Liberdade: nas grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor, não há espaço para manifestações anti-imigração.