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Opinião: Das patentes e das vacinas

21 de junho às 12 h30
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A extraordinária capacidade de produção em tempo recorde de vacinas para a pandemia em curso ilustra de forma eloquente as vantagens universais do investimento em ciência. Revela também, contudo, as enormes assimetrias a nível mundial na concentração do conhecimento científico associado e na capacidade de produção deste tipo de produtos tecnológicos de ponta.
Neste contexto, o Papa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a administração Biden têm apelado ao levantamento das patentes sobre as vacinas, utilizando argumentos humanitários, de saúde pública e económicos. A Europa tem contra-argumentado que a almejada imunização mundial se conseguirá de forma mais eficaz através da exportação de vacinas a partir dos países com capacidade de produção instalada. Além disso, tal medida tem consequências indesejadas para as indústrias farmacêuticas. De facto, o desenvolvimento de medicamentos inovadores assenta na investigação científica e no conhecimento de ponta, atividade que os economistas integram entre as de “alto-risco/alto-ganho”, significando que a maior parte dos investimentos financeiros aí colocados dão prejuízo; contudo, alguns poucos investimentos são de tal forma rentáveis que compensam todas as perdas. Mas só quem tem conhecimento e capacidade financeira pode apoiar este tipo de investimentos, de forma a conseguir resistir ao deserto associado à fase em que o investimento dá prejuízo. Assim, o mero anúncio da possibilidade de levantamento das patentes levou à queda das indústrias farmacêuticas nos mercados financeiros.
As virtudes desta argumentação e deste ciclo fechado de conhecimento parecem começar a ser questionadas pelo Papa, pela OMS e pela administração norte-americana. Por um lado, o conhecimento científico, um conhecimento “profissionalizado” sobre a Natureza, reveste-se de um inegável valor económico que interessa a todos apoiar e fomentar. Por outro lado, os critérios de natureza económica revelam-se insuficientes para abarcar e gerir a natureza marcadamente universal desse conhecimento.
Esta discussão sobre o levantamento das patentes das vacinas representa assim meramente a ponta de um icebergue que contém também questões tão diversas quanto o acesso aberto à ciência, os mecanismos e critérios de financiamento científico e até os métodos de promoção e divulgação de ciência. Os próprios cientistas, profissionais da aquisição do conhecimento sobre a Natureza, estão frequentemente demasiado enredados nos detalhes de toda esta malha para conseguirem ter uma visão distanciada e global.
Todo o debate aberto em torno do levantamento das patentes das vacinas tem o inegável mérito de sublinhar a insuficiência de discursos centrados em indicadores meramente económicos não só para a gestão do conhecimento científico, mas também como forma de alcançar uma economia global mais justa, mais solidária e mais humana. Ouvir o Papa, a OMS e a administração Biden falar em rara harmonia é seguramente um bom sinal na direção certa.

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