Opinião: “Comprei um telemóvel recondicionado. Que garantia tenho?”

O Decreto-Lei n.º 84/2021, que se aplica aos contratos celebrados desde o dia 1 de janeiro deste ano, veio consagrar pela primeira vez, na nossa ordem jurídica, a categoria, já bem conhecida no mercado, dos bens recondicionados. Na definição legal, os bens recondicionados são aqueles que foram objeto de utilização prévia ou devolução e que, após inspeção, preparação, verificação e testagem por um profissional, são novamente colocados para venda no mercado nessa qualidade.
Segundo o Decreto-Lei n.º 84/2021, que regula aquilo que tradicionalmente se chamava o regime das garantias, o profissional é responsável por qualquer falta de conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da data da entrega do bem. Os bens recondicionados gozam desta mesma garantia, desde que o bem seja anunciado como um bem recondicionado, cabendo ao profissional mencionar obrigatoriamente essa qualidade na fatura. O regime dos bens recondicionados distingue-se, assim, do regime dos bens usados ou em segunda mão pois, neste caso, o prazo de três anos pode ser reduzido a dezoito meses, o que não é admissível nos bens recondicionados.
Durante o período de garantia, o consumidor tem direito, em primeiro lugar, à reparação ou substituição do bem e, num segundo momento, à redução do preço ou à rescisão do contrato. Quanto à reparação ou a substituição do bem, o consumidor pode, em geral, optar por exigi-la do produtor (que na linguagem comum se traduz no “mandar para a marca”). No caso dos bens recondicionados, todavia, o consumidor apenas pode exigir diretamente do produtor a sua reparação ou substituição nos casos em que o produtor seja o responsável pelo condicionamento do bem. Se o produtor não for o responsável pelo condicionamento do bem, o consumidor apenas pode exigir a reparação ou substituição ao vendedor. Dentro desta limitação, contudo, os seus direitos em nada dão afetados.
A equiparação aos bens novos no que diz respeito ao prazo de garantia e o favor do legislador aos bens recondicionados compreendem-se bem em face das preocupações de sustentabilidade que norteiam as políticas legislativas, quer ao nível nacional, quer ao nível europeu. O Pacto Ecológico Europeu, em 2019, estabeleceu uma estratégia global para transformar a União Europeia numa sociedade justa e próspera, com uma economia de impacto neutro no clima, eficiente em termos de recursos, limpa e circular, em que o crescimento económico esteja dissociado da utilização dos recursos e em que os impactos negativos no capital natural e na biodiversidade sejam reduzidos. E o Novo Plano de Ação para a Economia Circular, de 2020, criou uma série de medidas específicas para combater a obsolescência precoce e promover a durabilidade, a possibilidade de reciclagem e de reparação e a acessibilidade dos produtos.
As medidas legislativas, todavia, carecem de ser complementadas pela promoção de novos conceitos e comportamentos de consumo, socialmente comprometidos com a preservação dos recursos naturais. A compra de bens recondicionados, prolongando a vida útil do bem, é um importante passo nesse sentido. Da parte do consumidor, e respondendo à pergunta que serviu de título a este texto, a garantia do bem recondicionado é, no geral, igual à dos bens novos.