Opinião: Cada vez usamos menos o limpa-pára-brisas e isso não é bom sinal
E não, não estou a falar da falta de chuva.
Esse também não é um bom sinal mas o motivo destas linhas é outro, é a amostragem biológica que o “método pára-brisas” nos permite.
Em estudos de biologia uma das formas de contar e medir é a realização de transectos de amostragem.
Basicamente percorre-se uma dada distância e contam-se ou recolhem-se os animais ou plantas.
E, assim, temos um valor, uma quantidade, obtida com um esforço determinado (tempo, distância, etc), o que nos permite comparar o tamanho das populações, seja no espaço, entre diferentes regiões, seja no tempo, em diferentes datas.
Ora esta técnica é muito utilizada inconscientemente por todos os que conduzem.
Uma viagem de automóvel é uma verdadeira aplicação de um transecto com recolha de insectos que se esmagam contra o pára-brisas.
Ao fim da viagem podemos ter uma ideia da concentração de insectos por quilómetro percorrido.
E, com esta rápida explicação, talvez os dois leitores já tenham percebido onde o título pretende chegar.
É que, de há umas três décadas para cá, verifica-se uma diminuição brutal no número de insectos “amostrados” por este método.
Ou seja, no final da viagem os pára-brisas têm muito menos insectos esmagados.
Esta observação empírica não é local, é global.
De facto é o reflexo de uma quebra dramática no número de insectos a nível global.
Outros estudos, mais sistemáticos e ortodoxos, têm reflectido isso mesmo.
Um estudo efectuado na Alemanha, onde recolhem sistematicamente amostras em áreas protegidas desde há 25 anos, conclui que três quartos dos insectos voadores desapareceram (em número e em diversidade) das reservas naturais alemãs
E porque é que nos devemos preocupar?
Como avança o estudo, cerca de 80% das plantas dependem de insectos para a polinização e cerca de 60% das aves dependem de insectos para alimentação.
Este resultado foi, atenção, obtido em acompanhamento efectuado em Reservas Naturais, em áreas com maior protecção contra ameaças à biodiversidade.
Ou seja, a imagem global pode ser bastante mais grave.
E não é clara a causa exacta para esta redução.
Aterações climáticas, pesticidas, fungos, destruição de habitats, etc, etc.
Ou todas um pouco, a concorrerem para o descalabro.
E aqui chegados podemos fazer algo? As cidades, por exemplo, têm uma oportunidade de deixarem de contribuir para o problema e até terem uma postura favorável.
Os insectos polinizadores dependem imenso da existência de flores, de plantas autóctones, de vegetação espontânea, das chamadas “ervas daninhas”.
Ora, mesmo nas cidades elas aparecem nos passeios, nas bermas das estradas, nos canteiros, nas rotundas, etc.
E é hábito “limpar-se” (na gíria da gestão do espaço público).
Ou seja, cortar essas plantas e em plena época de floração.
Muitas vezes os serviços camarários sabem que seria importante não o fazer mas as pessoas queixam-se de desleixo se não o fizerem.
O que fazer então? Informar.
O município de Lousada, por exemplo, adoptou uma prática, enquadrada na estratégia de protecção da biodiversidade urbana.
Não efectua os cortes na altura importante da floração e coloca placas informando que: “Não estamos a cortar a relva… para alimentar as abelhas”.
É uma boa iniciativa, fácil, barata, eficaz.
Os insectos polinizadores são essenciais para garantir a alimentação humana.
Sem eles o descalabro atingiria fortemente a humanidade.
Caso este ainda não seja um motivo suficiente para a acção, é também um facto que a própria economia iria sofrer… talvez este argumento pese mais…
Se conduz desde há mais de trinta anos, não precisa de muitos estudos, fez, o caro leitor, essa amostragem própria, é só tomar consciência do seu significado e consequências.