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Opinião: Brincar aos projetos

31 de julho às 11h30
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O investimento em ciência salva vidas, é fonte de prosperidade e desenvolvimento, e é talvez o melhor investimento no futuro. O investimento em ciência em Portugal continua a estar abaixo da média europeia em percentagem do PIB, apesar de ter crescido nas últimas décadas. Em 2019 foi somente 1.41% do PIB, quando outros países têm taxas que são 3-4 vezes superiores (Suécia 3.4%, Áustria 3.2%, Israel 4.5%, etc.).

A FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) já não consegue esconder o descalabro que é o financiamento da Ciência em Portugal, nem a atuação de respetivo ministro da Ciência. Abre concursos em todas áreas científicas que apresentem valores insultuosos de orçamento. Em 2020, o concurso em todas as áreas científicas tinha 75 milhões de euros e viu aprovados 312 projetos ( 5.3% do total dos projetos aprovados).

O resultado foi tão vergonhoso que a FCT prometeu mudanças: era preciso melhorar a estatística e ficar melhor na fotografia. Assim, em 2021 a FCT colocou 60 milhões de euros em projetos a 36 meses, com valor máximo de financiamento no valor de 250 mil euros por projeto, e 15 milhões de euros em projetos exploratórios, a 18 meses, com valor máximo de financiamento de 50 mil euros.

No total, a FCT financiou 541 projetos: 246 a 36 meses (de um total de 3994 projetos submetidos) e 305 a 18 meses (de um total de 888 projetos submetidos). Ou seja, a taxa de sucesso foi de 6% nos projetos de longo prazo, que requisitavam mais dinheiro, e de 34.3% nos projetos de curto prazo e que requisitavam muito menos dinheiro.

Como os números eram muito maus, a FCT resolveu apresentá-los de uma forma mais criativa. Apresentou a taxa de aprovação em função daquilo que considerou projetos elegíveis, isto é, projetos que tinham uma classificação superior a um determinado valor de corte ( 7.3 em 9 ). Assim, reduziu muito significativamente o número de projetos a considerar na “estatística”, ficando com as percentagens de aprovação de 8.7% e 56.7%, respetivamente.

Continua a ser mau, mostra uma diferença gigantesca entre as taxas de sucesso dos projetos mais “caros” e dos projetos “mais baratos” (o que não tem a menor explicação científica ou técnica), mas são números mais simpáticos. No entanto, mesmo com esta criatividade na apresentação de resultados, os números são bem elucidativos. Portugal não aposta na ciência, não acredita nos seus cientistas e investigadores e não investe na sua capacidade de gerar conhecimento científico que possa mudar a sina deste país.

Abre concursos em todas as áreas científicas com orçamentos ridículos. Não avalia convenientemente, obtendo taxas de sucesso muito inferiores a concursos competitivos da União Europeia: Por exemplo, a taxa de sucesso das European Research Council Grants é de 10-12% e noutros países a taxa de sucesso dos concursos de projetos científicos anda a rondar os 20-25%.

Por exemplo, a minha universidade (Universidade de Coimbra) teve aprovados 10 projetos de 36 meses ( 4% do total) e 10 projetos de 18 meses ( 3.3% do total). Em termos de valores globais de financiamento, isso significa que a Universidade de Coimbra obteve nos projetos de longa duração cerca de 2.5 milhões de euros ( 4% do orçamento global do concurso que foi 60 milhões de euros) e nos projetos de curta duração cerca de 500 mil euros ( 3.3% do orçamento global do concurso que foi 15 milhões de euros).

Pessoalmente apresentei um projeto que obteve 8.20 (em 9 possíveis), muito acima da taxa de corte, mas não foi financiado. No entanto, olhando para a avaliação, absolutamente ilógica e sem pontos negativos, verifico que não havia nada a corrigir e que o projeto só não foi financiado porque duas razões:

1 ) A dotação orçamental do concurso é ridícula;

2 ) A FCT não é capaz de organizar um processo de avaliação claro e preciso, eventualmente em duas fases, onde se selecionam os projetos com potencial para uma proposta mais elaborada e que permita um discussão pormenorizada da ideia, dos objetivos, metodologia e dos riscos envolvidos – isso resolveria os problemas de avaliação.

Escrevo este artigo para alertar a população sobre 5 factos:

1 ) A ciência é essencial para o nosso futuro. A pandemia mostrou-o à evidência;
2 ) Portugal tem excelentes cientistas que não merecem que os insultem com concursos de 75 milhões de euros de orçamento global;
3 ) Não faz nenhum sentido insistir em avaliações que não visam selecionar a boa ciência que se faz em Portugal, mas antes, pulverizar migalhas por mais investigadores, tentando, assim, reduzir o número de insatisfeitos;
4 ) Não faz sentido que o país insista em investir percentagens muito baixas do seu PIB em ciência. Isso funciona contra nós, pois um país que não aposta na sua capacidade de fazer ciência, gerar conhecimento e aplicar esse conhecimento (inovação), é, comparativamente, cada vez menos competitivo. Os resultados que observamos de competitividade e produtividade per capita são bem ilustrativos dessa realidade – já estamos quase no fim da lista da União Europeia.

Assim, continuamos alegremente a brincar à ciência, aos cientistas e a tirar fotos com frasquinhos quando se perceciona que isso dá votos.

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