Opinião: António Osório

De modo discreto, há poucos dias, partiu um dos maiores poetas portugueses do século XX, António Osório. Da canónica nota biográfica disparada pela Lusa, preguiçosamente replicada pela generalidade dos meios de comunicação, o relevo foi dado ao seu ido estatuto de Bastonário da Ordem dos Advogado, ficando o labor poético remetido para breve linha de curiosidade excêntrica: não é suposto bastonários serem dados a artes poéticas.
A remessa da poesia para os domínios da diletância subjetiva representa apenas mais uma das consequências do rolo compressor ulilitarista dominante nos últimos decénios. Apenas as ciências – e, em particular, as ciências ordenadas a alcançar aplicações técnicas aptas ao fabrico lucrativo de produtos para o consumo voraz dos mercados – logram entrar nos condomínios fechados das sabedorias socialmente reconhecidas.
A sabedoria das ciências, útil nos domínios da descrição e explicação das realidades do mundo físico, corpo humano incluído, é de fraco alcance no que toca às iimemoriais, e sempre renovadas e atualizadas inquietudes e inquietações da humana condição de existir.
Sobre o sentido da vida, o medo da morte, o súbito galgar do tempo, o mistério da paixão amorosa , o terror da perda do ente amado, a alegria súbita, a injustiça do mundo, o mal, a doença, numa palavra, sobre tudo o que é verdadeiramente humano, demasiadamentehumano, a ciência tem muito pouco a dizer. E tendo muito pouco, senão nada, a dizer, deve ficar calada.
E dar a palavra à poesia, a real e autêntica descodificadora da condição humana.
O amor, a passagem do tempo, a doença, a ignorância da morte, a feroz alegria de estar vivo são mote constante na poesia de António Osório. Poesia sem metafísica, sem metaamor, sem metamorte, sem metamedo, sem metasexo, sem metainjustiça. Poesia, antes, enraizada no real, com âncora na vida concretamente vivida. Vida em estado bruto, levada ao conhecimento do poeta, muitas das vezes, pelas histórias com lágrimas contadas no segredo do labor de advogado.
Em António Osório encontramos algumas das mais belas linhas sobre o sortilégio do amor. E algumas das mais desoladas elegias sobre o desconhecimento da morte. Encontramos um caloroso fascínio pelo vital mundo dos bichos. E a revelação do comum medo que torna irmãos touro e toureiro.
Encontramos a infinita, a irreparável ausência da mãe. E do pai. Em poemas “familiares” apenas comparáveis aos de outro dos nossos poetas maiores, também com passagem pela advocacia: Vasco Graça Moura.
Encontramos a misteriosa linha que nos une – na fragilidade, na dor, no medo, na traição- ao nosso antepassado inca, egípcio, romano, chinês.
Encontramos o napalm americano na Indochina. E os soberbos foguetões americanos a inutilmente agitar o lunar mar da tranquilidade.
E, sobretudo, o lúcido saber que “ acabada a ascensão, a grande dificuldade está em escolher a queda”. Porque “ quem se aproxima do abismo, acaba com ele sonhando”.