Opinião: A tirania das minorias

A democracia não é a ditadura da maioria. É um espaço política e juridicamente ordenado à definição e realização do quadro de valores e princípios de uma comunidade concreta. Comunidade com história, com memória, com tradição. E comunidade no tempo, em contínuo devir, em permanente construção e reconstrução dos valores culturais que são raiz existencial e tronco ontológico da real e sentida pertença a um destino comum.
Na tradição democrática ocidental são os textos constitucionais que contêm o precipitado da nebulosa ética estruturante da comunidade. E são os textos legislativos – monopólio da única instituição, o Parlamento, real e autenticamente representativa da vontade comunitária – que fazem a translação fina dessa nebulosa ética em concretos princípios de ação.
É verdade que este dever ser da democracia sofre, há décadas, uma erosão permanente. A continuada rendição do poder legislativo ao diktat do poder executivo e a afluente tentação justicialista das magistraturas minam, subterrânea mas efetivamente, a correta compreensão da ideia de separação de poderes, pilar nuclear da utopia democrática.
É que os poderes não são todos iguais. O poder parlamentar, por força da eleição por sufrágio direto e universal dos mandatários da vontade da comunidade, é o único com fonte na vontade e na soberania popular. Os demais, têm uma legitimidade popular apenas indireta. Donde, separação de poderes, em democracia, não poder significar igualdade de estatuto de todos os poderes. Por os governos e as magistraturas carecerem dessa legitimidade popular direta privativa dos parlamentos.
Significa isto que a diluição política das assembleias representativas é um vírus letal para uma democracia que não queira ser apenas um simulacro ou uma máscara da ideia de soberania popular.
Um dos sintomas deste padecimento é a rendição das democracias aos interesses materiais e aos programas ideológicos de grupos minoritários, lobbies, ongs e demais grupos de pressão, que, armados até aos dentes com a letal artilharia, e pública vozearia, do discurso e da semântica do política, do ética e do economicamente correto, impõem tais interesses e tais programas como pensamentos únicos e como políticas únicas. Usando – não há de novo, também nesta sede, debaixo do sol – os programas escolares – da educação para cidadania ao ensino da economia neoliberal – como invisíveis cavalos de tróia de uma real guerra cultural.
Uma democracia deixa de o ser quando decai em ditadura da maioria. E converte-se em real fascismo – sofisticado, blasé e pós-moderno, mas fascismo a valer – quando transporta a tirania das minorias.
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