Opinião: A abstenção não serve como manifesto
Falta hoje exatamente um mês para as próximas eleições legislativas: no dia 10 de março, os portugueses serão chamados às urnas para eleger os membros da Assembleia da República. O fim-de-semana passado decorreram as eleições legislativas regionais dos Açores e ficámos a saber que 49,67% dos eleitores desta região autónoma não foram votar. E este número, apesar de assustador, representa uma melhoria em relação aos anos anteriores: em 2020, nas últimas eleições legislativas regionais, a abstenção foi de 54,59%, a segunda maior de sempre, só superada pelas eleições regionais de 2016, em que a abstenção chegou aos 59,15%, atingindo o maior número de sempre até hoje. Segundo dados da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, estavam inscritos nas eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores 229.830 eleitores. Destes, apenas 115.662 saíram de casa, no domingo passado, para ir às urnas exercer o seu direito – e dever – democrático. Se as eleições açorianas puderem ser encaradas como uma antecâmara das que se realizarão daqui a um mês, no Continente, esta é a “sondagem” que mais me preocupa. O que é que leva um cidadão a demitir-se da sua voz?
Um estudo sobre “Abstenção e Participação Eleitoral em Portugal”, da autoria dos investigadores João Cancela e Marta Vicente (publicado em 2019, pela Câmara Municipal de Cascais) reúne alguns dados sobre a abstenção, que merecem especial atenção. O primeiro, e mais evidente, é o numérico: a abstenção tem vindo a aumentar de forma significativa desde as eleições de 1975, um aumento visível nas eleições para todos os órgãos, menos nas autárquicas. A participação eleitoral tem vindo a diminuir nas eleições para a Assembleia da República, Parlamento Europeu e presidenciais, tendo um declínio menos acentuado nas eleições para o poder local. É um dado curioso, num país que acha que passar a ponte, para ir às praias da Margem Sul, já é descentralizar.
Mas o mais curioso é perceber quem são as pessoas que desistem de ir votar. Uma análise detalhada mostra que, em termos individuais, há três dados que se destacam no percurso de participação nas eleições legislativas entre 1985 e 2015: 1 ) Um aumento das disparidades de participação eleitoral entre pessoas com diferentes escalões de rendimento. 2 ) Uma crescente tendência para a abstenção, não apenas entre os mais jovens, mas também entre o segmento de população com idades entre os 30 e os 44 anos. 3 ) Um gradual aumento do número de cidadãos que declaram não se identificar com nenhum dos partidos políticos a votos, estando por isso menos motivados a participar nas eleições. Em suma: parecem ser os mais pobres e os mais jovens – para além dos desiludidos – a desistir de votar. Quem mais se devia empenhar na construção do país é quem mais desiste de o fazer. São os que mais precisam que a Democracia se cumpra, que menos fazem por cumpri-la.
Nos últimos anos, alguns países têm adotado medidas para fomentar a participação eleitoral: para além do voto obrigatório ou do voto remoto, há medidas mais simples que parecem ter resultados positivos, como o aumento do número de dias para votar, juntar eleições para diferentes órgãos no mesmo dia e, especialmente, intervenção e educação para a cidadania junto das crianças e dos jovens. Mas em Portugal, apesar de o tema da abstenção ocupar jornais e televisões sempre que há eleições, os esforços para combater o afastamento dos cidadãos das urnas têm sido insignificantes.
Sempre que alguém se demite de votar, a Democracia enfraquece. Não ir votar não é uma manifestação de descontentamento, só de desresponsabilização, e é um comportamento inaceitável num Estado democrático, que vive do envolvimento dos cidadãos. A construção de uma Democracia participada é responsabilidade de todos e um dos princípios basilares para isto funcionar. A abstenção não serve como manifesto: o combate faz-se nas urnas, de caneta em punho. Por mim, ninguém escolhe – sei bem o que andámos para aqui chegar. No dia 10 de Março, não deixe que escolham por si.