Instalações da antiga cerâmica LUFAPO de Coimbra querem atrair criadores do mundo inteiro
As instalações da antiga cerâmica LUFAPO, em Coimbra, são a base de um novo projeto desenvolvido pelo Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV), que quer atrair criadores mundiais, privilegiar a cocriação e desenvolver ideias de negócio.
De acordo com informação do CTCV, o novo projeto, intitulado LUFAPO HUB, é inspirado em iniciativas internacionais e nacionais “de sucesso” e nas novas políticas económicas “que privilegiam a cocriação, a inovação inclusiva e o empreendedorismo, em consonância com o movimento New European Bauhaus”, promovido pela Comissão Europeia e que visa constituir novos espaços urbanos mais sustentáveis, ao nível arquitetónico e de novas tecnologias de construção.
O novo projeto, que recupera a marca LUFAPO – sigla nascida após a II Guerra Mundial, no âmbito da reconversão da indústria cerâmica portuguesa e construída a partir das palavras Lusitânia (a companhia que, anos antes, tinha adquirido as instalações), Faianças e Porcelanas – pretende criar um “complexo criativo e empreendedor aproveitando o conhecimento existente e criando sinergias” entre as indústrias tradicionais, criativas e tecnológicas.
Em declarações à agência Lusa, Ana Carvalho, responsável pelo LUFAPO HUB, explicou que este está projetado para o edifício principal da antiga cerâmica – que continua a ser a sede do CTCV, cujas instalações laboratoriais e outras se mudaram, na última década, para o iParque, transferência que ficou concluída há dois anos – considerado um marco daquele que foi o maior complexo industrial de Coimbra e que ocupa cerca de meio hectare.
“A ideia é criar aqui um ‘hub’ [eixo], como agora se diz, que se interesse muito pelas indústrias criativas, essencialmente, mas também seja um centro de incubação de novas empresas. Já cá temos 23 empresas, algumas de base tecnológica, outras de serviços”, afirmou Ana Carvalho, adiantando que, excluindo o Instituto Pedro Nunes, essas empresas, na sua maioria ‘startups’, “não têm grande oferta em Coimbra” para se localizarem.
“Coimbra, de acordo com um relatório de 2020, é o concelho do país com mais empresas, são quase cinco mil. E não têm muito sítio para se sediarem e exercerem as suas atividades e este edifício tem”, observou.
Nas 23 empresas já alojadas no LUFAPO HUB, distribuídas entre o edifício principal e dois edifícios anexos, trabalham mais de 80 pessoas, maioritariamente jovens qualificados.
“Para além dos espaços que temos disponíveis para arrendar, temos muitos espaços comuns. Temos um auditório para 120 pessoas, temos um refeitório enorme, cinco ou seis salas de reunião e de formação grandes. Não devem existir muitos espaços para as empresas com estas condições em Coimbra e até na região” reforçou.
Para além de um espaço de ‘coworking’ com 15 postos de trabalho, já em funcionamento no terceiro piso do edifício principal, onde se localizava a antiga biblioteca, o LUFAPO HUB pretende ainda criar um ecossistema onde “as empresas ‘startups’ e as empresas maduras acabem por trabalhar em conjunto”, declarou.
“Temos um projeto financiado pelo Centro 2020 de intra-empreendedorismo. Vamos trabalhar com as empresas maduras do setor cerâmico e com as ‘startups’ para desenvolver novas ideias de negócio, que, no fundo, sirvam ambas as partes. As empresas maduras estão muito preocupadas com o seu quotidiano, têm ideias de negócio, mas, muitas vezes, não têm tempo para as desenvolver. Por outro lado, as ‘startups’ têm uma energia grande, desenvolvem muitas ideias, crescem muito rápido, mas depois falta-lhes, às vezes, um bocadinho de maturidade e até de conhecimento do mercado e este projeto é para ambas”, acrescentou Ana Carvalho.
Sendo o CTCV uma entidade ligada à investigação e desenvolvimento de novas tecnologias, (que também promove ensaios laboratoriais e faz consultoria a empresas cerâmicas), mas que, ao longo dos anos, “nunca se dedicou muito à questão da criatividade, à parte artística”, entendeu desenvolver projetos na vertente das indústrias criativas, pretendendo transformar-se num “local inspirador que concilie a arte com a inovação, a sustentabilidade e a inclusão”.
“Já fizemos um protocolo com o Cearte [Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património], que é uma escola de ofícios, muito dedicada também à cerâmica. E estamos a montar um atelier de cocriação para ceramistas”, frisou Ana Carvalho.
Instalado no primeiro piso do edifício principal, nos antigos laboratórios, o ateliê destina-se a criadores na área da cerâmica e possui “todos os utensílios, ferramentas, equipamentos e fornos necessários” à atividade da olaria.
“Adicionalmente, vamos introduzir a componente tecnológica, com impressão de cerâmica em 3D [três dimensões], aquilo a que chamamos fabricação aditiva, conjuntamente com todo o ‘know-how’ que o CTCV tem, de novos materiais e economia circular, conjugado com os novos artistas que para aqui vêm”, disse a responsável do LUFAPO HUB, acrescentando que o novo ateliê, atualmente em obras, estará a funcionar no verão.
Com bastante espaço edificado da antiga cerâmica ainda disponível, outra das ideias para atrair “novos projetos inspiradores” para o LUFAPO HUB passa por criar uma residência criativa, em regime de ‘co-living’, na cobertura do edifício-sede, “que atraia nómadas digitais e criadores de todo o mundo, preferencialmente ligados ao setor cerâmico”.
“Gostaríamos muito que as pessoas viessem para cá fazer estágios, temporadas, tendo aqui o ateliê para poder trabalhar, onde morar e todo este ecossistema de partilha”, argumentou Ana Carvalho.
O LUFAPO HUB não esquece a perspetiva cultural e económica das cerâmicas de Coimbra e vai constituir um espaço dedicado a essa memória histórica, para lembrar que o concelho tinha “uma indústria cerâmica riquíssima, que era a mais importante do país e foi morrendo. Havia mais indústrias aqui do que no resto do país todo”, assinalou Ana Carvalho.
Atualmente, a maioria das empresas cerâmicas, na ordem das centenas, localiza-se na região Centro, existindo desde pequenas olarias até grandes multinacionais do setor.
O espaço recupera um espólio da antiga LUFAPO, “equipamentos de laboratório, antigos desenhos, uma série de coisas”, que estava “esquecido” nas “catacumbas” da Universidade de Coimbra – no âmbito de uma recolha efetuada, na década de 1970, pelo físico Mário Silva, nas instalações da fábrica então falida, para integrar as coleções do Museu Nacional da Ciência e da Técnica.
Com a morte de Mário Silva em 1977, este património “enorme” não chegou a ser catalogado, e acabou “no escuro, fechado, durante 45 anos”, sustentou Ana Carvalho.
Na semana passada, o espólio que está no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra foi alvo de uma visita de responsáveis do CTCV – contactados para o efeito pelo diretor do Museu da Ciência – que agora pretendem reabilitá-lo.