De tostão em tostão ‘enche a mula’ o vilão… ou a ignota dimensão colectiva do direito do consumo
Três chamadas tentadas, não conseguidas, jamais efectuadas, para um outro destino europeu: mensagem imediata da operadora a prevenir da facturação de 0, 19 €, por chamada, mais IVA… porque “fora do pacote contratado”!
Contas feitas, a empresa de comunicações arrecadará 0,57€ nesta singela operação.
Se, por sinal, tal suceder, por mês, ao longo de um só ano, ao universo de consumidores que detém, os proveitos ilícitos daí provenientes computar-se-ão em 34 200 000€ (mais de trinta e quatro milhões de euros).
O Estado beneficiaria, na circunstância, de um montante da ordem dos 7 866 000€ (cerca de sete milhões e novecentos mil euros) por serviços não prestados e, por conseguinte, insusceptíveis de tributação…
Outrotanto sucedia nos tostões de arredondamentos na banca… e de tostão em tostão se chegava ao milhão!
E com a entidade gestora dos cartões de crédito – a SIBS – que embolsava 100$00 (e, mais tarde, passou a embolsar 0,50€) por cada um dos abastecimentos de combustível pagos por um tal meio…
É a expressão de massa dos “negócios” de consumo, a dimensão colectiva do direito do consumo, tão menosprezada, ao que se nos afigura, entre nós.
E que é susceptível de se traduzir na violação de interesses e direitos colectivos em sentido amplo, em que se inscrevem os interesses ou direitos individuais homogéneos, os colectivos, em sentido estrito, e os difusos.
E cujos instrumentos, em termos de tutela jurisdicional, se perfilam como
• a acção civil pública instituída na primitiva Lei de Defesa do Consumidor de 22 de Agosto de 1981,
• a acção popular decorrente da primeira revisão constitucional operada em 30 de Setembro de 1982,
• a acção inibitória especial em matéria de cláusulas abusivas no âmbito da Lei das Condições Gerais dos Contratos de 25 de Outubro de 1985 e
• a acção inibitória geral constante da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor de 31 de Julho de 1996 (em substituição da acção civil pública instituída pela primitiva lei).
E, no entanto, não se tem feito uso de tais instrumentos com a frequência com que situações de um tal jaez o requereriam, ajustáveis ao número de violações e concomitante gravidade na esfera dos consumidores afectados.
Recordamo-nos da primeira acção popular instaurada pela ACOP, cujo patrocínio fora assegurado por Paulo Duarte, logo a 29 de Outubro de 1985, data da entrada em vigor da Lei da Acção Popular de 31 de Agosto de 1985, contra a Portugal Telecom pela cobrança ilícita a um terço dos seus assinantes (dos três milhões e novecentos mil, globalmente considerados) de uma taxa de assinatura (no montante de 2 000$00 / per capita /mês), por virtude de o período de facturação cujo deslizamento, num dado mês para valer futuramente, lhe proporcionaria, como com efeito sucedeu, uma vantagem ilícita de 2 600 000$00 (dois milhões e seiscentos mil escudos, a saber, dois mil e seiscentos contos, uma mera “bagatela…) ao facturar, num ano, não 12, mas 13 mensalidades…
E das acções que Jorge Pegado Liz, recentemente desaparecido, patrocinara contra as instituições de crédito e do que lhe sucedeu quando pretendera fazê-lo, de análogo modo, contra as seguradoras e a instituição para que trabalhava de tal o inibiu por interesses que mal se descortinavam, ao tempo…
Como das recentes acções colectivas que a Ius Omnibus instaurou contra a Superbock e a Mastercard em razão dos prejuízos acumulados pelos consumidores por mor da concertação de preços e da violação das regras da concorrência em prejuízo dos consumidores.
E vem agora ao caso a acção popular que a Citizens Voice – Consumer Advocacy Association, uma associação satélite da ATM – Associação de Investidores (sediada em Vila Nova de Gaia) e de que mal se ouvira falar, movera contra a Vodafone (na sequência, de resto, de uma outra proposta em Itália), cujo objecto eram as cláusulas constantes dos contratos singulares que permitem a activação automática de serviços adicionais não solicitados.
E que terá causado prejuízos aos consumidores, em conjunto considerados, da ordem dos quatro mil milhões de euros…
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pela Conselheira Maria Clara Sottomayor, datado de 2 de Fevereiro em curso, condena, com efeito, a “Vodafone S.A. à restituição [aos consumidores] dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da activação automática de serviços adicionais não solicitados ” em razão da proibição das cláusulas apostas nos contratos que, de plano, em tal consentiam.
Quantas situações do estilo não ficarão impunes?
O que seria indispensável para que se desse, deveras, relevância a interesses e direitos tais?
O que falta a Portugal para se tornarem efectivos os direitos com uma tal dimensão, que aos consumidores de todo se reconhecem?