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Coimbra: O patriarca do clã Monteiro tem 97 anos e vive na rua

20 de maio às 07h16
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DB/Foto de Pedro Ramos

Numa manhã de 2020, José Monteiro virou costas à cela. Tinha 92 anos, o corpo já pesado, e uns bons anos de reclusão. Agora, os dias são passados numa rua cimeira do Planalto do Ingote, nas traseiras de um dos lotes de prédios municipais construídos no Bairro da Rosa.

Desde que saiu da prisão, onde cumpriu 12 anos de pena devido a “desacatos”, vive numa rulote partilhada com a filha Amélia. O patriarca da família Monteiro – o mais temido dos clãs de etnia cigana da cidade – tem hoje 97 anos.
O homem que se senta num sofá azul de três lugares, quase novo, junto à velha caravana, é bem diferente daquele que há décadas merecia o respeito (e o temor) de muitos. O chapéu de cowboy serve agora para cobrir o cabelo grisalho, as longas barbas foram aparadas, e a arma que trazia sempre no coldre, para “se defender”, foi substituída pela bengala que lhe auxilia o caminho.

“Já estive preso, sim senhor, por desordens. Metiam-se comigo e eu tinha muita pontaria. Ainda agora tenho: daqui até àquela árvore não falho”, assegura, enquanto cerra um olho a apontar para o alvo.
“Arrependo-me de ter feito algumas desordens, mas obrigavam-me a isso porque me tratavam mal. E eu trazia sempre pistola, registada, e atirava. Nunca atirei a matar: só fazia pontaria aos braços e às pernas”, afiança. A impulsividade valeu-lhe uns bons anos de prisão – da última vez esteve uma dúzia de anos encarcerado no Estabelecimento Prisional de Coimbra, onde chegou a encontrar membros da família.

Desde então, garante que tem andado de bem com a justiça. “Não quero saber de confusões. Eu quero morrer cá fora, não quero morrer na cadeia,” diz, sentado no sofá que destoa de tudo o resto – à exceção dos olhos azuis que reluzem na pele curtida pelo sol.

Ali ao lado há três acampamentos, também de familiares, que não são mais do que toldos levantados pela força de alguns paus com lonas a cobrir mesas onde se fazem as refeições, cobertores no chão e roupa estendida. Há um fogão mínimo, outra mesa de plástico com louça, cartões, brinquedos e amontoados. Ninguém tem acesso a água canalizada ou a casa de banho.
“Tenho 97 anos. Para ir fazer as minhas necessidades tenho que ir ao outro lado da estrada. Já me custa muito andar tanto”, lastima.

A filha Amélia garante já ter interpelado a autarquia para pedir uma casa, mas a Câmara Municipal de Coimbra, que tem acompanhado a situação, refere que a família está em lista de espera para atribuição de uma habitação.

“É importante sublinhar que já foram titulares de contratos com a Câmara de Coimbra para Habitação Social, que perderam face a detenções”, refere, numa resposta enviada ao DIÁRIO AS BEIRAS (ver texto ao lado).

O patriarca vive do Rendimento Social de Inserção. Diz já não ter força para se dedicar à vida de feirante, que lhe garantia (algum) sustento.

“Tinha uma camioneta que enchia de roupa de boa qualidade para vender nos mercados e praças por esse Portugal fora”, recorda.

Dos 15 filhos que teve (e que lhe deram “mais de 100 netos”), é Amélia que lhe dedica todo o cuidado.
“Nunca quis sair de perto do pai. Já foi pedida em casamento, mas preferiu ficar aqui”, conta José Monteiro.
Amélia sabe o que é crescer com a pressão do olhar dos outros. Não lhe basta ser imaculada (e o patriarca garante que é), também tem de parecê-lo. O pai ainda é daqueles a pensar que “há duas raças”.
“Somos todos iguais, mas estão a misturar o sangue de uns com os outros. Nós somos ciganos e vocês são paisanos. Não deviam misturar as coisas. Eu tenho muito orgulho em ser cigano”, defende.

Por isso, há 15 anos, quando enviuvou, assumiu a tradição da comunidade e cobriu-se de negro pela sua Dolores. “Nunca tive mais do que uma mulher. Se tivesse, ela matava-me”, diz, rindo, para depois, já sério, assumir que a fidelidade é uma questão de respeito.

Em tempos, a doença também lhe levou um filho, “que morreu no hospital-prisão, em Caxias”, mas, apesar disso, há momentos em que a comunidade leva a festa à rua e o flamenco ecoa pelos cantos mais sombrios do bairro. José Monteiro sabe que nunca estará sozinho. Os ciganos jamais abandonam os seus velhos.

O que diz a autarquia

“No final de 2003, a câmara aprovou o realojamento provisório de 11 agregados familiares do “Clã Monteiro”, em módulos pré-fabricados localizados nos Campos do Bolão, atualmente designado Centro de Estágio Habitacional. Nesta sequência e mediante celebração de contrato de arrendamento, em fevereiro de 2004, foi realojado o agregado familiar de Dolores Monteiro, à data composto pelos seguintes elementos: a arrendatária Dolores Monteiro; o companheiro José Monteiro; a filha: Amélia Gimenez Monteiro e o neto: Filipe Monteiro.

Em 2006, Artur Castanho Monteiro passou a fazer parte do agregado familiar dos avós (Dolores e José Monteiro), após a mãe do menor ter abandonado o Centro de Estágio Habitacional. Foi então celebrado acordo de promoção e de proteção com a aplicação da medida de apoio junto a outro familiar – a tia paterna, Amélia Monteiro.
Em face do falecimento da titular do contrato de arrendamento, Dolores Monteiro, em julho de 2011, e de uma nova detenção de José Monteiro, em maio de 2012, foi aprovada (em 2014), a transmissão do contrato de arrendamento a favor de Amélia Gimenez Monteiro. Nos termos do acórdão transitado em julgado de abril de 2015, Amélia Gimenez Monteiro foi condenada na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

Em 2017, a Câmara de Coimbra aprovou a resolução do contrato de arrendamento, transmitido em 7 de março de 2014 a favor de Amélia Gimenez Monteiro e consequente despejo. A diligência de despejo ocorreu em maio de 2018 na presença de agentes da PSP e da Polícia Municipal.
Atualmente, José Monteiro, Amélia Gimenez Monteiro e Artur Castanho Monteiro encontram-se a residir em rulotes, no Bairro da Rosa.

Atuação da autarquia

A Câmara de Coimbra, como é possível ver pelo histórico acima descrito, tem acompanhado esta situação.
Através da Divisão de Habitação Social, têm sido feitas diversas diligências para contactos e acompanhamentos regulares aos agregados em causa.
Atualmente, esta família encontra-se em lista de espera para atribuição de uma habitação, sendo importante sublinhar que já foram titulares de contratos com a CM de Coimbra para Habitação Social que perderam face a detenções”.

Autoria de:

Patrícia Cruz Almeida

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