Opinião: “Uma «esquerda à esquerda» imprescindível”
No que respeita ao mais importante que aconteceu nas eleições do dia 30, não há volta a dar. Para além da confortável maioria absoluta que o PS obteve, libertando-o para os perigos de uma governação autocentrada e sem grandes concessões, e da grande subida de uma direita à direita do próprio CDS, associada à difusão do ódio social e do racismo, ou ao recuo do Estado-Providência e ao regresso a um capitalismo selvagem inspirado no século XIX, os seus resultados representaram uma inegável derrota do PCP e do Bloco de Esquerda, com uma dimensão que nem os mais pessimistas ou clarividentes conseguiram prever.
Pior, todavia, que esta derrota, expetável para quem não vivesse um tanto fora da realidade e dominado por certezas, foram dois fatores a ela intimamente ligados. Em primeiro lugar, a sua dimensão, que imporá agora uma menor capacidade de influência política institucional, transferida para o espaço da luta sindical, da rua e das redes sociais. Em segundo, a aparente resistência, da parte das direções de ambos os partidos e de muitos dos seus militantes, a desenvolverem um processo de crítica e de autocrítica capaz de impor um reconhecimento dos erros táticos, evitando empurrar apenas para os ombros de outros as responsabilidades que são próprias.
Para a democracia e para as políticas progressistas e solidárias que a esquerda encerra no seu ADN e promove na sua missão histórica – tomada essa esquerda no seu todo, que inclui o PS com toda a sua pluralidade e contradições –, este brusco enfraquecimento é dramático e precisa ser rapidamente atalhado. Porque existe um setor importante do eleitorado que nas atuais circunstâncias, por medo de um regresso da direita, fez transitar o seu voto para os socialistas, mas que neles não se reverá rapidamente, e também porque, enredados nas teias da maioria absoluta e dos grupos de pressão que o atravessam, estes muito dificilmente aceitarão governar para além da «política do possível», requerendo um contrapeso que permita ir mais além.
A recuperação dos dois partidos da «esquerda à esquerda» dependerá, porém, da mudança de algumas escolhas e atitudes. Assumindo-se como partidos construtivos, que representam interesses e políticas reivindicativas, mas que podem fazê-lo governando, dialogando e convergindo, e não apenas na perspetiva da resistência, do protesto e de um ideal mitificado de «luta». Aceitando e assumindo como sua a essência da democracia representativa. Que, todavia, muitos setores do PCP, fundados em determinados exemplos históricos, apenas consideram uma cedência tática destinada a promover a futura tomada do poder, e que alguns segmentos do Bloco, não pensando dessa forma, nem detendo um modelo dogmático, ainda olham como mera etapa. Daí a forma como setores de ambos os partidos têm depreciado eleitores que, em nome da resistência ao pressentível avanço da direita, nestas eleições transitaram para o lado «errado».
Bloco e PCP permanecem – em conjunto com forças como o Livre, que parece anunciar outros voos – imprescindíveis para a nossa democracia. De imediato, para ajudarem a colocar um travão nas inevitáveis tentações da maioria absoluta e para combaterem uma direita extrema, populista, neoliberal, nacionalista e selvagem, que agora ergue a cabeça com redobradas condições de difusão. Para o conseguirem têm de projetar políticas de fôlego definidas pela positiva, e aceitar dialogar, onde for possível, simultaneamente com firmeza e abertura, fazendo-o sem se acantonarem, num quadro de respeito pela consciência e pela vontade do eleitorado. Assim devolvendo a confiança aos eleitores que perderam e acolhendo outros.
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