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Opinião: Que professores de Cidadania?

11 de novembro às 11h35
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Em uma das suas rábulas inesquecíveis, Herman José representa um pasteleiro convidado por engano para um programa televisivo. A entrevistadora (Lídia Franco) que se preparara para receber um radiotelegrafista, insiste nas perguntas preparadas, ao que o pasteleiro replica, acabrunhado: “Pois, sabe, eu é mais bolos.” O episódio não pode deixar de ser recordado a propósito da lecionação da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento dos ensinos básico e secundário, que tem ocupado o debate público a propósito dos seus conteúdos.

Estes conteúdos cobrem os seguintes temas: Direitos Humanos, Igualdade de Género, Interculturalidade, Desenvolvimento Sustentável, Educação Ambiental, Saúde (obrigatórios em todos os níveis e ciclos de escolaridade); Sexualidade, Media, Instituições e participação democrática, Literacia financeira e educação para o consumo, Segurança rodoviária, Risco (obrigatórios em pelo menos dois ciclos do ensino básico); e mais uns quantos temas opcionais, de acordo com as necessidades diagnosticadas pela escola.

Embevecido na discussão desta imponente lista e na presença ou ausência de “amarras ideológicas” em certos pontos mais bizantinos, o debate público tem sido ensurdecedoramente silente sobre o ponto mais importante: quem é que leciona toda esta “mixórdia de temáticas”? Que preparação tem para as lecionar?

A resposta embaraçosa a que se chega é que os docentes daquela lista interminável de assuntos, muitos deles complexos e delicados, são simplesmente deslocados de outras áreas científicas, mais das vezes não relacionadas com os conteúdos de Cidadania.

Podemos ter assim professores de Português a falar de Literacia financeira e educação para o consumo ou professores de Matemática a lecionar Direitos humanos, em variações tragicómicas da rábula do pasteleiro/radiotelegrafista. Enquanto isso, na turma ou lado ou na escola ao lado, ficam outros alunos sem aula de Português ou de Matemática, por falta de professores.

“Ah! – indignam-se os defensores deste modelo de “ensino” – “Mas isso é tudo cultura geral: qualquer professor pode ensinar isso!” E, com esta frase singela, se identifica a verdadeira “amarra ideológica” que governa o ensino da Cidadania: “qualquer um pode ensinar qualquer coisa, desde que seja «professor»”. Neste debate, a extrema direita e a extrema esquerda desempenham apenas o papel de “idiotas úteis” que ajudam a esconder o verdadeiro problema.

Esta perniciosa ideologia educativa decorre antes de departamentos inteiros de “educação”, tanto governamentais como académicos, que minimizam as competências científicas necessárias para a formação de professores e defendem que se pode ensinar sem conhecer os conteúdos a fundo, desde que se esteja por dentro das “ciências da educação”. Estes prosélitos promovem um “ensino” suave e sorridente, baseado na “felicidade dos alunos”, a quem pretendem transmitir a ideia perigosíssima que é possível alcançar o que quer que seja sem esforço. As principais vítimas, como sempre, são as crianças e jovens mais desfavorecidos que só têm a escola para lhes dar formação de qualidade e que vêm assim as suas “asas” cortadas à nascença. Quando, no fim desta linha pedagógica, finalmente se confrontam com a sua falta de preparação e com a sua incapacidade para compreender o mundo, facilmente se tornam presas dos cantos-da-sereia do argumentário extremista, que mais não faz do que prosseguir a cantiga “tudo é fácil, o diabo são os outros”.

Autoria de:

Rui César Vilão

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