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Opinião: Presentes que falam chinês

17 de abril às 09 h06
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A experiência de viver em Macau é como mergulhar num oceano de tradições e superstições, onde cada gesto e cada presente carrega um peso simbólico que pode surpreender até os mais assertivo e precavidos. Na minha jornada por esta cultura rica rapidamente aprendi que presentear não é apenas uma questão de dar algo material; é um verdadeiro exercício de diplomacia social.

As flores representam a situação da praxe. Se na maioria das culturas um ramo de flores é sinónimo de afecto e é quase sempre uma escolha acertada, na cultua chinesa flores brancas, em vez de um sorriso podem provocar lágrimas, sendo símbolo de luto. Impera por cá a proibição da entrada de flores em hospitais e serviços de saúde assim, ao visitar a amiga que teve um bebé rechonchudo, prefira levar um cesto de laranjas ou maçãs, sinal de boa sorte, ou um pacote de bolachas de gengibre, símbolo de saúde e vitalidade, para além das suas propriedade anti-inflamatórias.

Logo de início fui alertada para a proibição do acto de presentear relógios. Na cultura ocidental e, para mim em particular, um presente intemporal e marcante. Relembro, com carinho e nostalgia, o momento em que o meu pai me passou para o pulso um dos relógios que melhor o caracteriza. Havia-lhe sido presenteado pelo seu melhor amigo, meu padrinho de baptismo, e quis o meu pai que o herdasse e honrasse. Na cultura chinesa este gesto seria um convite directo para a má sorte, sendo que a palavra “relógio” assemelha-se fonéticamente a “morte”.

Presentes com funções cortantes, como facas ou tesouras, devem ser evitados pois, aos olhos da cultura chinesa, revelam um temor de ruptura de relacionamento e más intenções.

Assim, perante a necessidade de presentear um chinês, dê preferência a itens relacionados com o bem-estar, tais como um difusor de óleos essenciais ou uma planta interior, como um bambu da sorte. Presentear acessórios ou elementos de decoração também são uma escolha acertada; um pequeno vaso de cerâmica ou uma peça de caligrafia que represente felicidade ou prosperidade. Oferecer um cesto de frutas, uma caixa de bolachas típicas ou um chá de qualidade é um convite à partilha, à união e ao respeito mútuo.

Na cultura chinesa, a arte de presentear vai muito além do simples acto de dar. Esse gesto, enraizado em tradições milenares, ensina-nos que cada presente carrega uma intenção genuína e, principalmente, um convite à construção de laços. Quem diria que oferecer uma simples peça de fruta poderia ser mais auspicioso do que um relógio? E assim, por aqui, continuo a aprender e a respeitar. Sempre com o coração aberto, um sorriso nos lábios, o relógio do meu pai no pulso e, na mão, um embrulho vermelho escolhido com muito cuidado.

Autoria de:

Francisca Beja

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