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Opinião: “Portugal 2030. Uma rede urbana forte ou a metrópole que desertifica o “Interior?”

27 de outubro às 12h21
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Portugal é um país extremamente carente de coesão territorial, muita retórica tem sido desfiada em torno desta mancha. Um país da Comunidade Europeia não podia, não devia, ter tamanhas desigualdades territoriais. Num passado recente, os territórios mais desfavorecidos recebiam o epíteto de “Interior”, mesmo se ficassem à beira do mar ou a escassos quilómetros da costa. Hoje em dia, o jargão bem-pensante designa-os por “territórios de baixa densidade”, mesmo se tenham vilas ou pequenas cidades com um centro consideravelmente denso.
Ora, qual é o principal problema desses territórios desiguais? Não é certamente serem “ruins” ou “deficientes” do ponto de vista congénito, não é estarem “condenados” por qualquer anátema determinista. Todos os territórios, para que possam ser fortes e competitivos, têm de ser polarizados por uma (ou várias) cidade(s). Sempre foi assim na história para qualquer território. A sua maior ou menor riqueza económica, a fraqueza ou a força do seu estatuto identitário e cultural e até mesmo a vitalidade e a dinâmica do modo como se revêem e como se inserem na vastidão do espaço nacional (ou mesmo europeu) reside também no modo como são representadas a(s) cidade(s) que ficam na sua proximidade, ou seja, no âmbito da sua vizinhança histórica e cultural. Ora, em Portugal, o que se passa é um violentíssimo processo de metropolização que tem início ao longo da década de sessenta do século passado e que é extrapolado e potenciado pelo investimento público a partir das duas últimas décadas do mesmo século. Os fundos da política de coesão começavam a chegar, os planos diretores municipais – PDM – foram definidos para cada um dos municípios, tantas vezes transformando as continuidades territoriais numa manta de planos concelhios. No entanto, as grandes infraestruturas de comunicação, as mais importantes em escala, alcance e investimento, eram transconcelhias ou de âmbito territorial mais vasto, e o certo é que essas foram sendo decididas exclusivamente em função da relação da capital com o mundo e com a segunda cidade que, entretanto, tinha alcançado também uma dimensão metropolitana. Começou assim, e inevitavelmente, a construir-se uma axialidade hegemónica, gerada pelos poderes públicos com responsabilidades na gestão orçamental. Por um lado, essas opções centralizadas eram-nos dadas como inevitáveis, como naturais mesmo, iniciando-se um ciclo que predomina até hoje: o investimento público é centralizado porque é na capital que estão as dinâmicas económicas mais significativas e as dinâmicas mais significativas vão para a capital porque é lá que está centrada uma grande fatia do investimento público.
Os territórios mais desiguais são, por consequência, aqueles que mais distância criam em relação à metrópole e aos seus “braços” de suburbanização galopante.
Será este um modelo europeu? Será uma tendência dos países economicamente “desenvolvidos”? Claro que não, muito pelo contrário, como bem sabemos.
Desde logo em Espanha ou na Itália: as suas respetivas culturas urbanas não florescem só pela maneira de ser dos seus urbanitas. As cidades, mesmo as mais pequenas, continuam também a ser centros político-administrativos dinâmicos e representativos, quer as capitais de província, quer as capitais de região. A rede ferroviária e de autoestradas em Espanha liga as principais metrópoles, sem dúvida, mas estrutura-se a partir da ligação entre as capitais de província, o que é muito, muito diferente. Ou a Suíça, onde, pese embora o sistema minimalista da democracia representativa helvética, as principais cidades dos mais pequenos cantões são verdadeiras minicapitais todas ligadas entre si, com presença efetiva e atuante dos canais de representação do Estado federado, dos offices cantonales aos estúdios de produção e emissão da televisão pública. Mesmo a célebre utopia metropolitana circular neerlandesa – o Randstad – liga capitalidades intermédias, não é um eixo entre metrópoles com ramais para algumas cidades.
Em Portugal, a verdade, e esse é o centro do problema hoje, é que a ideia de uma metropolização exclusivista domina o pensamento das elites esclarecidas e, por antinomia, gera a ideia mítica de um Interior, uma entidade sem forma, vagamente romântica no inverno, inquestionavelmente satânica no verão, que corresponde na verdade a TODO o território que não seja identificado com as áreas metropolitanas.

Pode ler a opinião de José António Bandeirinha na edição impressa e digital do DIÁRIO AS BEIRAS

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