Opinião: Do Código ao Algoritmo: como advogar na era da IA?
No princípio era a questão: em que posso ajudar? Serviente, prontamente disponível e com uma capacidade para aglomerar, sintetizar e de deduzir além do mais clássico silogismo, qualquer interface de inteligência artificial (IA) possibilita ao comum utilizador o usufruto de forma instantânea, global e tendencialmente gratuita a mecanismos de conversação e realização de tarefas que até ver cabiam na esfera exclusiva da inteligência humana.
De modo simplista poderá afirmar-se que a inteligência humana e a IA são frutos que nascem da mesma semente. O desejo humano de compreender e adaptar-se ao Mundo que pula e avança encontrou na IA uma versão ampliada da sua inteligência, superando as singularidades da biologia, da emoção e da experiência, com ferramentas que funcionam como fábricas de processamento massivo de dados.
Com efeito, não se acrescentará novidade ao texto se afirmarmos que as organizações e os indivíduos através (ou por detrás) delas sempre procuraram controlar de modo eficiente o tempo que, valendo sempre dinheiro, terá na maximização da produtividade critério indispensável para a realização de objetivos e criação de valor.
Como qualquer outra indústria, ditam as boas práticas da gestão que o presente e o futuro do exercício da advocacia operem, apesar das devidas nuances, com a mesma lógica empresarial. Deste modo, além da consideração pela competência para a prática de atos próprios, cabe ao advogado o planeamento estratégico e financeiro do seu escritório, seja em prática individual ou em sociedade, sendo, a título de exemplo, comum a cronometragem do tempo dedicado a determinado processo através de plataformas de gestão e que servirá como critério na cobrança de honorários pelos serviços prestados – devendo, num mundo ideal, ser proporcional ao valor faturado e pago pelo Cliente.
Será na luta contra o tempo e contra as deadlines que a IA poderá assumir as vestes de assistente administrativo online – através da automatização da gestão de prazos processuais ou do preenchimento automático de minutas previamente estabelecidas como ponto de partida – ou ser ordenado fiel escudeiro de longas batalhas – tanto na pesquisa de jurisprudência, como no fornecimento de respostas às questões mais inauditas quando falha a clareza da letra da lei ou na análise documental por grosso munida do respetivo poder de síntese.
Revisitando a questão que dá mote ao presente texto e tendo por exemplo prático o recurso a interfaces genéricos como o ChatGPT ou o Perplexity ou outros mais técnicos e especializados como o Casetext ou o Harvey, poderá o advogado enquanto utilizador pedir auxílio em toda e qualquer questão ou ramo do Direito que julgue pertinente para a sua necessidade. No entanto, é importante destacar três regras essenciais para o legal prompting ou, se quisermos, a definição das regras de etiqueta que devemos considerar (e treinar) para o que se pretende que seja uma boa conversa com a IA: a precisão, a eficiência e a responsabilidade.
Por um lado, será a qualidade do prompt – leia-se: input, instrução ou comando – que determinará a qualidade do resultado (output). Logo, caberá ao utilizador fornecer um contexto detalhado sobre o que pretende ver respondido, especificando a lei aplicável ou dando ênfase a terminologia jurídica específica.
Por outro, através do know-how assimilado pelo método da tentativa e erro o utilizador tornar-se-á cada vez mais eficiente e refinado, traduzindo-se em melhores resultados – por exemplo, será boa prática um prompt como “Redige uma cláusula de confidencialidade para um contrato de prestação de serviços entre uma empresa de hotelaria e um técnico informático”, sendo a sua perfeita antítese algo como “O que devo garantir como confidencial no âmbito contratual?”, por falhar na ausência de especificidade e de contexto para a boa execução da tarefa a que se acomete o primeiro prompt.
Por último, mas não menos importante, a questão da responsabilidade configurará como a mãe de todos os dilemas, pautando-se como a última fronteira entre o que é e o que deve ser. Por falta de oportunidade não será possível debruçarmo-nos sobre os aspetos regulamentares impostos aos fornecedores e desenvolvedores de IA pelo Regulamento sobre Inteligência Artificial (Artificial Intelligence Act), nem sobre a sua relação com outros instrumentos de direito nacional ou comunitário, nomeadamente com o Regulamento Geral da Proteção de Dados (RGPD) – ressalvando-se, contudo, questões de propriedade intelectual e de proteção de dados pessoais ou informações comerciais sensíveis como leitmotiv de preocupação e alarmismo.
Sem desmerecer, apesar do tónico quase pré-apocalítico e digno de ficção científica, poderá afirmar-se que os algoritmos utilizados pelas interfaces revelam-se de tal modo avançados e treinados que permitem a extração de informação com base nos prompts inseridos pelos utilizadores. Esta capacidade é fomentada pela crescente tendência de machine learning – i.e., a forma de pensar, tratar e aprender com a linguagem que é fornecida.
Ainda no âmbito da responsabilidade, caberá ao utilizador questionar da validade legal das respostas conferidas pelas interfaces, quase numa lógica de agitar antes de consumir. A bem ver, apesar de quase omniscientes, estas ainda não terão a competência técnica e o pensamento crítico necessários para a obtenção de uma licenciatura no curso de Direito e, mais jusante, para a aprovação no Exame de Agregação à Ordem dos Advogados.
Em conclusão, a premissa da responsabilidade levanta questões cruciais que conflituam com deveres de qualquer Advogado, especialmente no que se refere à sua integridade e independência, aos deveres de diligência para com o Cliente e à garantia de confidencialidade em que assenta o sigilo profissional.
Face ao estado da arte, persistirá o dilema: como devemos advogar na era da IA, contraponto as necessidades eficiência a que promete, sem comprometer os deveres deontológicos e sem artificializar a prática jurídica?