Opinião: “Cruel inflação!”
Segundo o Banco Central Europeu (BCE) “numa economia de mercado, os preços dos bens e serviços estão sujeitos a variações. Alguns preços sobem, outros descem. A inflação ocorre quando se verifica um aumento geral dos preços dos bens e serviços, não apenas de artigos específicos: significa que, com 1 euro, se compra menos hoje do que ontem. Por outras palavras, a inflação reduz o valor da moeda ao longo do tempo.”
Neste espaço de opinião que ocupo no “Diário As Beiras”, no meu artigo do passado mês de fevereiro, referi que para o recém-eleito governo do Dr. António Costa desafios não iriam faltar. Destaquei, entre outros pontos, a inflação e a crise energética (agravada pelo, à data, conflito – agora guerra – entre a Ucrânia e a Rússia). De igual forma, intitulei o meu artigo de novembro do ano transacto de “Assim ficamos todos sem energia”.
Foram conhecidos recentemente os dados da inflação em abril em Portugal através da divulgação da estimativa rápida do Instituto Nacional de Estatística (INE). Aquilo que era sentido por todos nós no dia a dia, tem agora uma confirmação oficial: 7,2%. Segundo o INE, este aumento é influenciado maioritariamente pelos produtos energéticos e alimentares não transformados, algo que era de igual forma fácil de perceber no dia a dia por qualquer comum mortal. O valor agora registado, embora provisório (os valores definitivos serão conhecidos a 11 de maio), é já o mais elevado desde março de 1993. Segundo o Eurostat, a inflação homóloga subiu na zona euro para 7,5%. Portugal registou o 7º maior aumento dos 19 países da zona euro, acelerando o ritmo de convergência com a média da referida zona euro (para nossa infelicidade).
Se a origem da inflação se pode dever a várias origens, como por exemplo a impressão de moeda, o aumento de impostos, a cartelização de preços, o desajuste entre a oferta e a procura e o aumento dos custos produtivos (com particular enfâse neste ponto para os custos energéticos), o que importa verdadeiramente conseguir é impedir que a mesma se transforme numa espiral, a famosa espiral inflacionista. E o que é que está verdadeiramente a ser feito nesse sentido? Ainda não é possível saber com certeza. Segundo os nossos governantes, o orçamento de estado que está agora em discussão na Assembleia da República prevê a cedência de mais de 1300 milhões de euros às famílias e empresas sob a forma de reduções de impostos e apoios para combate à inflação – “Evitar o aumento de preços e não alimentar a inflação”. O princípio parece-me correcto, mas é urgente que surjam efeitos práticos. A medida anunciada pelo governo de reduzir em 20 cêntimos por litro a carga fiscal dos combustíveis, através de uma nova baixa do ISP, parece-me capaz de ter algum efeito prático. Prático, mas quase nulo face ao quadro actual. De acordo com os dados do INE, é possível constatar também que os preços na produção industrial em Portugal tiveram em março uma taxa de variação homóloga de 26,3% – 26,3% mais que em igual mês do ano anterior. Destes 26,3%, 82,4% devem-se ao agravamento do preço da energia. Fica fácil perceber que muito mais terá que ser feito.
Ora, se os preços na produção industrial aumentam de forma brutal, os industriais ficam mais uma vez na necessidade de equilibrarem as suas margens. Com a dimensão que estes aumentos têm, não sobra outra hipótese que não o aumento dos preços de venda. Naturalmente irão parar mais uma vez ao consumidor final. Com salários que não crescem de forma alguma a este nível, fica cada vez mais difícil manter aceitáveis níveis de qualidade de vida. É cruel aquilo a que algumas pessoas ficam sujeitas, em particular as de menores rendimentos. Sinto-me parte responsável dessa crueldade por ter que, enquanto industrial, fazer o mesmo com os produtos alimentares que produzimos e comercializamos. Ainda assim, é uma crueldade que recebemos em maior dimensão da cadeia de fornecimento, que tentamos minimizar tanto quanto possível e da qual apenas passamos para o consumidor final o que não é possível de suportar. Isto porque mais cruel seria não cumprirmos as nossas obrigações, entre as quais as salariais.
Que não nos falte a energia para lutar contra a inflacção, para que amanhã 1 euro nos permita comprar não muito menos que hoje.