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Opinião: Coimbra: entre a nostalgia e a urgência de futuro

05 de julho às 13 h40
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O sociólogo Henri Lefebvre ensinou-nos que uma cidade não é um mero aglomerado de ruas, edifícios e monumentos. É, antes de tudo, uma construção social e política, um reflexo vivo das práticas de quem nela habita, trabalha, circula e sonha. Quando essas práticas são asfixiadas ou capturadas por interesses que geram exclusão, perdemos aquilo que Lefebvre designou como “direito à cidade”: o direito fundamental de todos à apropriação do espaço urbano, à centralidade e a uma vida coletiva plena.
Em Coimbra, esse processo de despossessão é visível. Expressa-se na perda gradual do seu papel de referência nacional, na fragilização da sua identidade como cidade universitária de vanguarda e na erosão da sua coesão interna. O centro histórico, outrora vibrante, esvazia-se a um ritmo preocupante, enquanto as periferias crescem de forma desarticulada. Vivemos um paradoxo doloroso: Coimbra atrai milhares de jovens para a sua universidade, mas falha em criar condições para que possam aqui construir o seu futuro.
A Baixa, coração da cidade, desertifica-se, perdendo população, vitalidade económica e social. O fecho de livrarias emblemáticas, lojas de comércio tradicional e cafés que foram pontos de encontro de gerações deixa um rasto de edifícios devolutos e memórias órfãs. Não é por acaso que, nos discursos políticos que antecedem as eleições autárquicas, esta inquietação ressoe frequentemente disfarçada de um lamento nostálgico pela Coimbra “de outrora”.
Neste contexto, emergem discursos de defesa intransigente da tradição, da “cultura local”, do “que é nosso”. Este desejo de preservação arrisca-se a excluir o diverso e a transformar a tradição num obstáculo à renovação. A nostalgia, facilmente instrumentalizada, alimenta a promessa redutora de “recuperar” uma cidade do passado. Mas que cidade idealizada é essa? Essa invocação tende a ignorar os processos estruturais que corroem o tecido urbano e social de Coimbra: a crise da habitação, agravada por uma turistificação desregulada, a fragilidade de um tecido económico pouco diversificado e a desigualdade crescente no acesso a serviços, oportunidades e ao próprio espaço público, que afeta tanto os conimbricenses de longa data como os imigrantes que aqui procuram uma vida melhor.
O “direito à cidade” não se esgota na oportunidade de usufruir da cidade que existe ou existiu. Implica, acima de tudo, ter o poder de a transformar. O desafio não é restaurar uma imagem estática do passado, mas reivindicar Coimbra como obra coletiva, lugar de pertença, de participação e de inovação. A cidade não pode ser um museu do que um dia foi. Coimbra exige, com urgência, que a imaginemos num futuro diferente.

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