Opinião: À Mesa com Portugal – Estrugir

O estrugido é uma coisa maravilhosa. Começo pela palavra, que eu adoro. É que a palavra estrugir diz mesmo aquilo que é, só o som me leva ao resultado, parece que começo a ouvir o azeite a fervilhar na panela e o cheirinho a cebola a pairar pela cozinha. É uma palavra inquieta e alegre a inspirar o desafio, a oportunidade do mais e do menos. Quando estrugimos, saltam os ingredientes, pois que a cebola e o alho picados miudinhos, misturam-se, transformam-se, deslizam por entre todo o fundo do tacho até atingirem a textura progressiva da caramelização, molinhos, mas sem ser a desfazer, translúcida a cebola, quase derretido o alho. O azeite, após o estrugido, passa a tempero requintado. Tanto era assim, que pelo interior beirão e terra quente transmontana se punha, por cima de Migas e Açordas, o azeite “rechiado”. A primeira vez que ouvi a palavra, ainda pensei que o azeite fosse recheado com alguma coisa, só depois percebi, com o andar da receita, que era só o azeite que, de tão quente que estava, chiava sobre o pão ensopado ouvindo-se um “che!!!”.
Hoje, é fácil fazer o cozinhado começando pelo estrugir da cebola, do alho e do azeite, contudo, outrora, cozinhar naqueles grandes potes de ferro obrigava a algumas estratégias culinárias para que, no final, o sabor fosse pleno. Por isso, em algumas situações, faziam-se os Milhos ou o Arroz, cozido numa calda simples sem grandes temperos e, à parte, numa sertã, estrugiam-se, no azeite, a cebola e o alho acompanhados de uma folhinha de louro. Quando fosse altura, temperava-se o cozinhado com o adubo do estrugido. Mexia-se, deixava-se apurar, e lá estava um pote feito para dar de comer a muita gente.
Cá por casa, é de sempre aquele arroz frito no estrugido, neste caso, sem o alho, pois que este não se dá bem com os estômagos mais sensíveis da família. Mas, frito no azeite e cebola até ficar vidrado regado, depois, com água a ferver fica um arroz de estalo!
Importante, é nunca deixar queimar o estrugido. Na cozinha como na vida, o melhor é tirar proveito da oportunidade do ponto de equilíbrio aproveitando todo o sabor que elas nos dão.
Pode ler a opinião de Olga Cavaleiro na edição digital e impressa do DIÁRIO AS BEIRAS