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Opinião: À Mesa com Portugal – entre o pecado e o prazer

11 de fevereiro às 12h30
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Comer é apaixonante, mas insistimos na relação pecaminosa com a comida. Uma sobremesa linda de morrer e parece que estamos a cometer um sacrilégio só de olhar, quanto mais comer. Um prato com maior dose de proteína e comê-lo será pior que praticar adultério. Quantos de nós já não comeram às escondidas com medo de serem censurados e imediatamente rotulados de gulosos?
É verdade, lidamos mal com o prazer de comer. A culpa, de imediato, surge na mente e o peito sente um peso pelo mal feito. Apetece-me dizer que num mundo em que temos tantas coisas boas é uma idiotice considerar a comida um pecado. É certo que podemos comer demais e isso pode transtornar o nosso equilíbrio físico e mental pelos estragos dos excessos, mas também convém dar tréguas às coisas boas que podemos comer. Não é porque comemos uma fatia de presunto ou algum doce que cresce a barriga ou aumentamos de peso. Aliás, recusar a comida em algumas situações é algo profundamente injusto para com os que nos antecederam. Andaram os nossos antepassados a tentar perceber qual a melhor arte de fazer queijos, enchidos, doçaria ou qualquer outro produto para nós, de repente, considerarmos o potencial calórico excessivo e não nos concentrarmos no prazer?
Ser hedonista não tem mal nenhum. Mimar o corpo e o cérebro com uma pitada a mais, seja de açúcar ou gordura, não nos irá transportar de imediato para o inferno. Não, nem sequer ficamos no purgatório. Poderemos sim é ir ao céu e voltar. É essa a magia dos alimentos, darem-nos prazer para além de nos matarem a fome. Sim, porque se fosse uma questão de saciar a fome poderíamos ficar pela ingestão das calorias necessárias. No entanto, nunca ficamos apenas por esse patamar. Ao invés, fomos escalando de degrau para degrau para que as nossas receitas nos aproximassem do prazer. Daquele que nos faz cócegas no interior e nos deixa de sorriso na boca.
Eu pelo-me por essa magia, pela água que me cria na boca. Recuso preconceitos, apenas aceito essa magia, esse ar superior que me faz desviar quilómetros para ir buscar umas cerejas, um simples pão ou um qualquer doce maravilhoso. E, depois, é sem medos. Comer num equilíbrio constante entre o prazer e a necessidade física dos alimentos.
É claro que o prazer à mesa não é sinónimo de comer sem limites. Isso não é prazer, é distúrbio. Mas é tempo de deixar de impor atributos pecaminosos aos alimentos e de os ver à média luz como se expostos nos envergonhassem. Convém lembrar que foram discursos de falsa moralidade higienista que quase condenaram o pão à fogueira e o retiraram da mesa das pessoas. Igualmente absurdo é recusar alimentos que são verdadeiros portentos da arte culinária e aceitar de olhos fechados os que são fruto da tecnologia onde o sabor depende um químico. Já para não falar dos que são tão manipulados e que são vendidos “sem isto”, “sem aquilo”, “light”, etc, como se fossem a salvação para a humanidade.
Comer sem prazer é como beber água sem sede. É um quase nada, sorriso amarelo e poucochinho inquietante. Já comer com prazer tranquiliza-nos, dá-nos conforto e faz-nos sentir alegria. Basta lembrar um bebé a mamar no seio da mãe. Decerto, não é só fome. É também prazer.

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