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Opinião – A margem de erro é tramada

03 de setembro às 12h08
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Gostaria de contar aqui uma história que aconteceu há sensivelmente oito anos. Um autarca tinha acabado de receber uma sondagem que o colocava quatro pontos abaixo do seu adversário direto. Telefonou-me convidando-me para um café e uma conversa. Num par de dias encontrámo-nos. Ele abriu um envelope A5 com oito folhas dobradas. Pediu-me confidência. Insistiu para que o ajudasse a interpretar os resultados. Olhei para a data, para as perguntas feitas, para a amostra e para a margem de erro. Ele fitou-me procurando adivinhar no meu semblante o mesmo que um doente quando perscruta a expressão do médico. “Estarei assim tão mal?”.
A mesa era redonda, agradável. Ele estava incomodado, tenso. Saímos dali e caminhámos um pouco ao longo de uma avenida. Era tarde. Acho que lhe disse qualquer coisa como: “se as sondagens antecipassem o resultado final, não valeria a pena fazer eleições”.
O principal problema daquela sondagem era, em tudo, semelhante ao de várias outras: uma amostra demasiado pequena: perguntar a seiscentas pessoas não é o mesmo que perguntar a seis mil. Por outro lado, os inquiridos são, na esmagadora maioria dos casos, pessoas com telefone fixo e que estão durante o dia em casa. O que exclui uma boa parte da população ativa. Isso traduz-se em grandes margens de erro. E isso é um problema. Desde logo, levanta-se, nestas questões metodológicas, um dilema de fiabilidade.
Imaginemos agora que seria possível, em abstrato, ter uma amostra correspondente a cem por cento das pessoas. Ou seja, numa cidade com sessenta mil eleitores, responderem todos esses sem exceção. Levanta-se a grande questão: o resultado dessa sondagem seria igual ao do dia da votação? Muito provavelmente não. Porque há um outro fator a ter em conta: as pessoas podem a qualquer momento mudar de opinião.
Sabe-se, através de estudos feitos para o sul da Europa, em que fase da campanha as pessoas decidem o seu voto. Com base neste conhecimento, a fórmula que cada empresa de sondagens aplica pode ser cozinhada com mais ou menos tempero. Todavia, esta variável assenta em informação do passado, correndo-se o risco de, ao utilizá-la, “infetar” a previsão final, retirando até a objetividade estatística. Alterando a fórmula, o resultado poderá ser completamente diferente. Por isso, há sondagens para todos os gostos.
Ainda assim, se fizermos uma sondagem num dia e outra no dia seguinte, obteremos resultados diferentes. Há duas explicações possíveis para esta variação: pode ter acontecido num dia terem respondido mais pessoas de um partido e no outro dia terem respondido menos. Ou então, pode ter acontecido realmente uma alteração nas intenções de voto.
Voltando à história, a conversa com este autarca tornou-se uma aula de comunicação política quando lhe disse que é muito difícil prever com rigor a previsão da abstenção num ato eleitoral. E que esse número pode fazer alterar os resultados finais. Por outro lado, os inquiridos que admitem não saber ainda em quem votarão, como são tratados estatisticamente e qual o seu impacto na previsão final?
Bom, com isto estarei a dizer que as sondagens valem o que valem e que não servem para nada? Sim e não. Valem o que valem. Mas servem para aferir num certo momento de um determinado dia, como responde um nicho pequeno de pessoas a uma questão formulada. É diferente perguntar “quem acha que vai ganhar as próximas eleições” ou “em quem irá votar”.
Este tema é recorrente. E há sempre quem venha massificar o discurso assente em sondagens. Acho que quem está sempre a falar de sondagens é quem quer iludir os eleitores. Embora a maioria dos investigadores acredite que as sondagens não têm impacto junto da opinião pública, eu assumo outra apreciação. Isto porque se um candidato propagar a ideia de que tem vantagem nas sondagens e que, por isso, vai vencer as eleições, no fundo ele quer é desmobilizar os adversários. A socióloga alemã Elisabeth Noelle-Neumann lançou há cinquenta anos o conceito do “Espiral do Silêncio”, em que me baseio para justificar aquilo que penso. A ideia de que há um segmento de eleitores que tendem a seguir quem aparece com hipóteses de ganhar, leva a habilidosas tentativas de manipulação dos eleitores.
Bom, este autarca de quem vos falei acabou por vencer as eleições. Com vantagem de 7% face ao seu adversário direto. A margem de erro é tramada…

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1 Comentário

  1. Timo diz:

    7% ou 7 pontos de percentuais?

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