Opinião: A cidade: entre a obra e o esquecimento

Na cidade, celebra-se a requalificação de mais uma avenida, inaugura-se um novo parque infantil com piso em borracha colorida e concluem-se as obras de uma rotunda ajardinada com uma escultura ao centro. Tudo é apresentado com entusiasmo: discursos e a inevitável sessão fotográfica para as redes sociais. No entanto, basta um ano para que o cenário se transforme. Os passeios da avenida apresentam danos visíveis, alguns equipamentos do parque deixaram de funcionar, a rotunda foi engolida por ervas daninhas e a escultura, outrora pintada, revela sinais evidentes de desgaste. Constrói-se a cidade, mas o compromisso com a sua preservação está ausente. A cidade não é cuidada porque simplesmente se desconhece, ou desconsidera, o conceito de “manutenção”.
O sociólogo e historiador das cidades Lewis Mumford alertou para os perigos de um urbanismo focado na novidade e na expansão, negligenciando o cuidado e a vitalidade do tecido urbano existente. Em obras como “A Cultura das Cidades” e “A Cidade na História”, Mumford defendia uma visão da cidade como um organismo vivo, que requer nutrição e atenção contínua para prosperar. A sua crítica ao urbanismo puramente funcional e estético ressoava com a preocupação de que a ênfase em projetos isolados e no impacto visual imediato poderia levar ao abandono e à deterioração do espaço vivido. É este modelo, orientado para o gesto pontual, que continua a marcar muitas políticas urbanas. O problema não se resume a má gestão ou falhas técnicas; é, antes, uma forma de pensar a cidade que privilegia o espetáculo em detrimento da sustentabilidade e do bem-estar, a longo prazo, dos seus habitantes. Constrói-se para impressionar no presente, não para perdurar e servir no futuro.
É este o urbanismo que hoje impera em Coimbra. O Parque Verde do Mondego é um exemplo paradigmático. Vinte anos após a sua inauguração, este espaço central da cidade apresenta um aspeto decadente: caminhos esburacados, docas com tábuas em falta, iluminação danificada. Em 2022, em vez de investir na sua manutenção, as autoridades optaram por inaugurar uma nova escultura (“Tranquilidades… O Ser e as Águas…”). Passados pouco mais de dois anos, da escultura resta apenas o pedestal – mais um contributo para o estado de abandono e desleixo.
Os exemplos multiplicam-se, e seria impossível enumerá-los no espaço limitado deste texto. Ainda assim, vale a pena destacar outro caso, de contornos particularmente bizarros. Na freguesia de Santa Clara, numa rotunda próxima à Avenida do Lagar, encontra-se um trecho do Aqueduto do Real Mosteiro de Santa Clara, construído no final do século XVIII e classificado como bem de interesse público. Coberto de vegetação e em risco iminente de ruína, as autoridades locais decidiram colocar vedações para evitar que o seu eventual desmoronamento ponha em causa a integridade física dos transeuntes. Entretanto, a escassos dez metros da estrutura histórica, foi inaugurado, em 2021, um monumento evocativo de Santa Clara que, naturalmente – numa cidade orientada para o gesto pontual –, já exibe visíveis sinais de desgaste e degradação.
Pode ler a opinião na edição impressa e digital do DIÁRIO AS BEIRAS