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Pela Rota da Seda: No reino encantado das montanhas arco-íris

29 de janeiro às 10h46
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A estação de comboio de Shanshan parece um deserto de betão onde não se vê vivalma para além de um grupo de portugueses e uns gatos pingados chineses. No escuro da noite, uma luz aproxima-se, muito sorrateiramente, pelos carris, encandeando os passageiros que começam a pegar nas malas no cais de embarque.
Entramos agora numa galáxia muito distante do que tínhamos vivido na outra viagem de comboio noturno, agora que viajávamos em segunda classe. Enquanto procurávamos organizar-nos e encontrar o nosso lugar de repouso, tropeçávamos em pernas esticadas ou em sacos perdidos pelo chão, semiabertos com comida que ameaçava espalhar-se pelo estreito corredor. Não há portas nos compartimentos, que agora levam seis pessoas em vez das quatro de que já tínhamos saudades. O ruído impera, e é tão contínuo como a chiadeira que as rodas fazem ao roçar numa bitola que teima em não se adaptar às suas compaignons de route. Mas o povo português tem este extraordinário dom de meter conversa mesmo sem saber falar outras línguas, em pouco tempo já se ouvem risos de parte a parte, fruto das recém-boas relações sino-lusas. É com boa disposição que as luzes se apagam, as vozes se calam e tudo adormece ao longo dos mais de 1100 quilómetros que nos levarão até Zhangye.
No momento em que se pisa terra firma na estação ficamos com uma estranha sensação de estarmos num país diferente, não só pelas expressões das pessoas, mas porque todo o aparato de polícias, arames farpados, vistorias e clima de tensão tinham desaparecido. Como se tivéssemos acordado de um sonho, ou pesadelo, e esfregássemos os olhos. Na realidade, tínhamos saído da tão famosa, pelas piores razões, província de Xinjiang.
Após uma simbólica passagem pela estátua de Marco Polo, que mencionou esta cidade da rota da seda no seu livro de memórias “O Milhão”, a gula de viajante obrigou-nos a apanhar um táxi para Danxia, o geoparque que é uma das maravilhas naturais do nosso planeta. Declarado Património Mundial pela UNESCO em 2009, estas formações rochosas vivamente coloridas que se estendem ao longo de 322 quilómetros quadrados apresentam-se como um puro devaneio em forma de pinceladas que um qualquer deus terá andado a espalhar ao longo destes montes a perder de vista. Imaginação à parte, esta festival cromático com que somos presenteados é produto da acumulação de arenito e de outros minerais que aqui ganharam forma há mais de 24 milhões de anos. Reinam os tons quentes, com destaque para os laranjas, que se diluem nos amarelos ou beges, quando não se cruzam com os castanhos. As formas, essas, foram caprichosamente moldadas pela ação do vento e da chuva.
Os turistas, na sua esmagadora maioria chineses, deliram com estas montanhas arco-íris que lhes sugam muitos gigabytes de espaço dos seus cartões de memória das câmaras fotográficas. Acotovelam-se em filas para passeios a cavalo, camelo, balão ou helicóptero, tudo dependendo da carteira de cada um. Uma pinta branca move-se ao longe, pontilhando as riscas do pantone que se prensou numa encosta. É uma noiva que se agita sem rumo definido numa sessão de fotografia para gravar para a posteridade o dia em que deu o nó com o noivo que estava bem perto dali.
Autocarros apinhados de gente de olhos arregalados seguem por uma estrada rosada para melhor se enquadrar naquela paisagem. É por aí que seguimos, com aquele sorriso nos lábios de quem terminou um périplo por um reino encantado.

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