Opinião: Zelensky não veste Prada

Winston Churchill em Washington durante a sua ‘Missão à América’, janeiro de 1942
A história tem alguns dias, mas vale a pena retomá-la. Até porque tenderá a ficar para a História.
No filme O Diabo Veste Prada ( 2006 ), há uma cena emblemática em que Miranda Priestly desmonta a ilusão de que a roupa é um detalhe superficial. Explica à protagonista que até a mais simples camisola azul tem uma história, um contexto e um significado que escapam aos menos atentos. A lição é clara: a roupa não é um mero adereço, mas um código, um sistema de signos que comunica estatuto, ideologia e poder.
Esta lição parece ter passado despercebida a um jornalista que, na visita de Volodymyr Zelensky à Casa Branca, decidiu perguntar: “Por que é que não veste um fato?” A interrogação, aparentemente banal, diz menos sobre o presidente ucraniano e mais sobre quem a formulou.
Como escreveu Roland Barthes, “o vestuário não é um simples ornamento, mas um verdadeiro sistema de signos” (Système de la Mode, 1967 ). Cada peça de roupa comunica algo sobre a posição do indivíduo, a sua circunstância e o seu papel social. Isto é conhecimento básico, estudado em disciplinas iniciais de qualquer formação em Comunicação. Winston Churchill compreendia isto melhor do que ninguém. Durante a Segunda Guerra Mundial, ao visitar os EUA, adotou o seu célebre siren suit – um fato-macaco funcional que mostrava prontidão e proximidade com os soldados. O seu vestuário comunicava sem necessidade de palavras: era um líder em guerra, não um político de gabinete. Ninguém o questionou por não usar gravata.
Zelensky segue a mesma lógica. Desde o início da invasão russa, abandonou a formalidade da indumentária presidencial e adotou um visual militar. Não por desleixo ou por desrespeito, mas porque esta escolha reforça a mensagem que quer transmitir: a guerra é constante, a luta é permanente, a formalidade é luxo para tempos de paz. O seu uniforme de guerra – camisolas e calças verde-tropa – é uma extensão do seu discurso.
A pergunta do jornalista na Casa Branca, ao invés de se focar no essencial – as negociações, o apoio militar, a situação no terreno – deslocou o debate para um pormenor aparentemente irrelevante, mas carregado de simbolismo. Ao fazê-lo, não apenas desviou a atenção do público, mas assumiu um papel que não lhe compete: o de ator político. Perguntar sobre um fato não é apenas uma questão de moda; é uma tentativa de impor uma norma, de questionar a legitimidade da imagem construída por Zelensky e, de forma sub-reptícia, sugerir que ele não se adequa ao palco diplomático tradicional. O jornalista tinha o direito de fazer qualquer pergunta, mas escolheu aquela que não importava. Longe de qualquer crítica ao jornalismo enquanto instituição, é essencial refletir sobre a postura do repórter que, em vez de servir de intermediário entre o público e a informação, quis ser protagonista de uma cena política.
A guerra tem os seus símbolos e os seus rituais. Zelensky compreende isto. Churchill compreendeu isto. O jornalista que o questionou, aparentemente, não. Como nos ensinou Barthes, a roupa é linguagem, e ignorar essa dimensão é não compreender o mundo para lá da superfície.