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Opinião – Territórios vivos: o poder local entre pessoas, natureza e futuro

18 de outubro às 11 h21
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As eleições municipais passaram e, com elas, regressa a esperança de que os próximos quatro anos tragam algo mais do que obras e promessas. O local é o espaço-tempo onde o Estado toca de forma mais direta a vida das pessoas. Mas demasiadas vezes parece esquecer-se que as câmaras municipais não gerem o seu próprio dinheiro, mas sim dinheiro público, vindo de impostos pagos por todos, incluindo os mais vulneráveis onde se incluem – nos dias de hoje, convém frisar -, os migrantes que contribuem, com o seu trabalho e contributos, para o funcionamento do país.
Neste contexto, governar localmente não é distribuir favores e privilégios, é cuidar da casa comum. E cuidar exige critério, visão e transparência. Os desafios que os municípios enfrentam não se resolvem com populismo, como temos vindo a assistir nas campanhas eleitorais quando se prometem mundos e fundos sem qualquer limite, nem com política de ocasião. Precisamos de estratégias estruturais capazes de enfrentar o que verdadeiramente nos ameaça: as alterações climáticas, as desigualdades territoriais, a perda do sentido comunitário, do cuidado, da reciprocidade.
Acabámos de atravessar um verão de incêndios devastadores e ainda assim poucos programas autárquicos falaram em ordenamento do território, regeneração ecológica ou envolvimento das populações na prevenção e no restauro da paisagem. Um outro ponto permanece ausente das políticas locais, que se dirige à compreensão da forma como as pessoas se relacionam com a natureza. Sem conhecer as perceções, valores e práticas dos cidadãos, como vivem, sentem e cuidam o lugar onde habitam, nenhuma política ambiental ou de desenvolvimento será eficaz. A economia é importante, mas nem tudo se resume à economia. É preciso compreender o tecido humano e simbólico que estrutura os territórios, porque é aí que reside a força — ou a fragilidade — das políticas públicas.
O poder local enfrenta, assim, um duplo desafio: por um lado, integrar as diversidades dos territórios, das suas populações e culturas, reconhecendo que não há soluções universais; por outro, identificar onde falham as políticas de proteção da biodiversidade, de adaptação e mitigação das alterações climáticas ou de combate às desigualdades — precisamente onde ignoram as nuances culturais, sociais e económicas que moldam o funcionamento das comunidades.
A isto junta-se um terceiro desafio, de atrair e fixar jovens, oferecendo-lhes oportunidades para viver, criar e trabalhar nos territórios do interior. Nenhuma política de desenvolvimento será sustentável enquanto o interior continuar a perder gente, dinâmica sociocultural, económica e vitalidade. É preciso imaginar territórios vivos, que acolham a inovação, a agricultura regenerativa, as artes, a investigação transdisciplinar e futuros sócioecológicos que reforcem os ecossistemas dos quais fazemos parte, humanos e não humanos, em busca por um equilíbrio transformador. Essa é também uma forma de reconstruir o sentido de futuro coletivo.
Por tudo isto, os novos executivos municipais têm de compreender que a política local é a mais alta forma de política, a que se faz no concreto, no quotidiano, no comum.
O dinheiro é público, o território é de todos e a responsabilidade é coletiva. É no exercício de um mandato democrático, em vez do autoritarismo social e político-ideológico, de inaugurar, de favorecer, de premiar ou castigar, é tempo de escutar, de planear e de regenerar com as pessoas, e não apenas para as pessoas. Este é o verdadeiro desafio.

Autoria de:

Fátima Alves

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