Opinião: Os “Milagres” da Cirurgia Cardíaca
Desta vez, resolvi abrir uma exceção e escrever sobre a minha própria especialidade. Segundo a OMS, a doença cardiovascular é a principal causa de mortalidade no mundo, sendo responsável por 17,5 milhões de mortes todos os anos. Em Portugal constitui cerca de 30% da mortalidade, na maior parte dos casos relacionada com o coração.
A doença cardíaca pode ter uma causa congénita – o bebé nasce já com defeitos, os mais frequentes conhecidos por “buracos” no coração. Em adultos, a doença é geralmente adquirida, quer de origem reumática quer de caracter degenerativo (envelhecimento), afetando maioritariamente as válvulas e as artérias do coração (coronárias).
Num número muito significativo de casos, a doença cardíaca tem de ser tratada através de cirurgia. A cirurgia cardíaca, iniciada nos anos 50 do século passado, é hoje uma especialidade bem estabelecida e com resultados surpreendentes. Estima-se que, anualmente, se realizam mais de um milhão destas cirurgias em todo mundo, e mais de 6 mil em Portugal, com variáveis graus de sucesso, mas que podem atingir os 99%, especialmente quando efetuadas por cirurgiões experientes em centros de referência. À maior parte dos doentes são restituídos a uma longevidade normal.
No nosso País, o processo diagnóstico da doença cardíaca é geralmente iniciado pelo especialista de medicina geral e familiar e completado pelo cardiologista que, quando considera que está indicada a cirurgia, encaminha o doente para o cirurgião cardíaco. A decisão final é sempre compartilhada por estes dois.
Os sintomas mais frequentes que motivam a procura de um especialista são o cansaço e falta de ar para pequenos/médios esforços e/ou dores no peito, especialmente com esforços moderados ou intensos. Nalguns casos, os sintomas podem ser inicialmente controlados ou atenuados com terapêutica médica, o que permite adiar a cirurgia por algum tempo, só muito raramente para a evitar.
Nestas circunstâncias, o doente deve ser acompanhado regularmente pelo seu cardiologista, que avaliará a evolução da doença, especialmente com recurso ao ecocardiograma, um exame que permite avaliar o tamanho e a forma das diferentes cavidades cardíacas, bem como a sua contração. Noutros casos, como na angina do peito, não há lugar a espera e é imperativo que se proceda a intervenção, por cirurgia clássica ou por cateterismo.
Nalgumas circunstâncias a indicação cirúrgica pode ou deve ser feita mesmo antes do aparecimento dos sintomas, para evitar dilatação das cavidades cardíacas que, muitas vezes, causa arritmias, e mesmo a perda de função do músculo cardíaco, Em fase muito avançada, esta só pode ser tratada por transplantação cardíaca, uma terapêutica de último recurso. Por essa razão, é muito importante que o próprio doente mantenha uma atenção especial ao aparecimento de novos sintomas e não tenha receio de recorrer ao médico precocemente, para evitar consequências graves para a sua saúde.
O adiamento da solução apropriada pode resultar em piores resultados e, inclusivamente, causar a morte. Mesmo nesta fase de pandemia, os procedimentos e circuitos dos hospitais estão pensados para garantir a segurança de todos durante as consultas, exames e/ou tratamentos, pelo que não há justificação para adiamentos.
A cirurgia é efetuada por uma equipa de médicos, enfermeiros e técnicos altamente especializados, com recurso a circulação extracorpórea, vulgo máquina de coração pulmão, já que, naturalmente, o coração tem de estar parado durante a intervenção, especialmente quando ela é efetuada dentro do órgão.
Como acima afirmei, os resultados das cirurgias eletivas, isto é, não urgentes ou de emergência, são excelentes. A mortalidade e outras complicações graves são raras e o doente pode retomar uma vida normal, inclusivamente profissional, em poucas semanas. Naturalmente, ’um remendo é sempre um remendo’ e, na maior parte dos casos, é imperioso que o doente seja seguido pelo seu cirurgião ou cardiologista, pelo menos nos primeiros anos após a cirurgia. Contudo, na maior parte dos casos o problema fica definitivamente resolvido.
Como por milagre, o coração fica ‘novo’!