Opinião: Inovação: ilusão ou transformação?

A palavra “inovação” surge frequentemente em conversas e debates, sendo um motor de discussões. A sua própria definição é tão diversa que, neste artigo de opinião, não conseguiria sintetizar todos os seus múltiplos significados. No entanto, quer no discurso político, quer no das empresas, a palavra surge quase como um mantra.
Vamos primeiro aos números: a despesa em investigação e desenvolvimento (I&D) atingiu cerca de 4.500 milhões de euros em 2023, segundo o Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional (IPCTN), representando 1,70% do Produto Interno Bruto. O nosso país continua bastante abaixo da média europeia ( 2,3%), e longe de países como a Suécia ( 3,42%) ou a Alemanha ( 3,26%).
Este défice reflete-se em diversos rankings internacionais, como o European Innovation Scoreboard (EIS) da Comissão Europeia, onde, em 2024, Portugal foi classificado como “Inovador Moderado”, ocupando a 19ª posição entre os 27 Estados-Membros da UE, com um desempenho de 83,5% da média europeia. No Global Innovation Index (GII), publicado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), Portugal alcança a 31ª posição entre 131 países, num ranking liderado pela Suíça, Suécia, Estados Unidos, Reino Unido e Singapura.
Mas hoje quero colocar o foco nas empresas e não no sistema científico ou na administração pública. O tecido empresarial português é diverso, composto sobretudo por PMEs e microempresas, com um forte enviesamento para o setor dos serviços. É comum ouvirmos gestores a colocarem a inovação como prioridade, anunciando investimentos avultados em tecnologia. No entanto, quando olhamos para além dos anúncios, constatamos que, no dia a dia, muitas empresas implementam mudanças em ciclos curtos, por vezes frenéticos e algo caóticos. Em grande medida, estas mudanças são motivadas por reações a impulsos externos, gerando pouco impacto ou valor real. A questão que coloco é: estas empresas estão realmente a inovar ou apenas a alimentar a “ilusão” da inovação?
Este problema é sublinhado por um relatório da consultora BCG, que aponta uma contradição preocupante: embora 83% das empresas considerem a inovação uma prioridade estratégica, apenas 3% sentem que estão preparadas para transformar essa ambição em impacto real. Este paradoxo representa um verdadeiro desafio para os gestores: a inovação tornou-se imprescindível, mas não é “vivida” dentro das organizações.
Com os realinhamentos geopolíticos, as alterações nas cadeias de valor e a aceleração da transformação digital, as empresas precisam de se reposicionar para competir neste novo xadrez económico. É tempo de mudar:
1. Rever a direção estratégica – A inovação deve responder aos desafios futuros do negócio e não ser apenas um exercício de criatividade. Deve estar alinhada com o propósito, visão e rumo da empresa.
2. Construir uma cultura organizacional inovadora – A inovação não acontece sem pessoas. Os gestores devem implementar processos ágeis, fomentando uma cultura que incentive a experimentação, a colaboração e a aprendizagem contínua. Para isso, é essencial garantir segurança psicológica, aumentando a capacidade de auscultação interna e externa e permitindo que os colaboradores assumam riscos.
3. Gerir a inovação como qualquer outra área da empresa – Assim como as empresas gerem as suas finanças ou a logística, também a inovação deve ser gerida. Só implementado um modelo de gestão é que se poderá medir o valor criado. Não estou com isto a sugerir mais um software ou um sistema “pesado”, pois a gestão de inovação pode e deve ser também ela ágil, com métricas claras e ferramentas partilhadas que serviam toda a organização.
Este reposicionamento é importante para todas as empresas, mas particularmente crítico para as que que muitas vezes classificamos com “tradicionais”, quer pela estrutura ou porque não operam em sectores de alta intensidade tecnológica.
Muitas irão ver novos concorrentes e ver as suas vantagens competitivas a erodir. No entanto, acredito se mudarem a forma como gerem a inovação, poderão transformar o seu know-how e experiência vantagens mais duradoras, com produtos e serviços com maior valor acrescentado.
Os ventos continuarão a soprar fortes e a agitar não só a economia, mas também a forma como vivemos. Apenas as empresas que inovam para transformar conseguirão navegar as tempestades e chegar a bom porto.