Opinião: Financiamento do sns – Até onde podemos ir?
Numa “opinião” anterior (Mais dinheiro para a Saúde. Basta?-, 5/1/2020 ), abordei a questão dos orçamentos da Saúde. Volto agora ao assunto, visto de um ângulo diferente.
O aumento exponencial das despesas com a saúde está a tornar-se incomportável para os orçamentos de praticamente todos os países desenvolvidos. Naturalmente, o nosso País não constitui exceção, e a espiral dos custos e as limitações orçamentais resultam num subfinanciamento crónico que gera subutilização de estruturas, mais um fator de desperdício. Sendo óbvio que a comparticipação do Orçamento do Estado para as despesas de saúde não poderá continuar a aumentar indefinidamente, há que procurar fontes alternativas de financiamento, um assunto com importantes implicações políticas, que têm vindo a ser exploradas, nem sempre da melhor maneira, pelos vários partidos políticos.
Três grandes questões se levantam e requerem resposta: que saúde queremos ter, quanto custa, quem paga?
Tem caracter crónico o conflito de opinião entre os responsáveis pela área da fnanças, que geralmente afirmam que em saúde se gasta demasiado e mal, e os responsáveis pela política de saúde, que justificam as suas posições por estar em causa uma das mais fundamentais necessidades humanas e porque a perspetiva financeira lhes não diz diretamente respeito.
Um relatório recente da OCDE não só afirma que Portugal gasta muito com a saúde como faz também uma avaliação negativa da qualidade, o que significa haver pouca eficiência, muito desperdício e falta de controlo da gestão. Na EU somos, por exemplo, dos maiores gastadores no domínio dos medicamentos ( 14,7% das despesas com a saúde), o que resulta de vários monopólios de interesse exercidos por todos os grupos envolvidos, desde os burocratas aos profissionais, e aos laboratórios farmacêuticos. Os elevadíssimos custos dos recentes avanços na terapêutica do cancro, da hepatite C e de algumas doenças raras apenas contribuíram para agravar o problema.
O ex-Ministro das Finanças, Sousa Franco, afirmou uma vez que “os piores problemas estão a nível da gestão hospitalar, em particular dos grandes hospitais, que têm dimensão de grandes empresas, mas são pior geridos que tabernas de aldeia”. Nestas condições, pôr mais dinheiro num sistema onde palavra de ordem é o desperdício, é contribuir para aumentar o desperdíci’.
É necessário ser-se realista quanto às possibilidades financeiras do País. Ainda que seja importante que se faça um esforço financeiro no sentido de otimizar a contribuição do Orçamento do Estado para as despesas da saúde, a comparticipação direta do cidadão nos custos dos serviços utilizados e a intervenção do sector privado poderão contribuir para o aumento das receitas, numa direção inversa à da abolição das taxas moderadoras, cujo principal problema era o nome. Por outro lado, a alienação pelo Estado de parte das suas responsabilidades permitirá uma redução das despesas, permitindo que as verbas respetivas sejam desviadas para as áreas em que ele se mantém como único responsável.
Em conclusão, é inevitável que o Orçamento do Estado deixe de ser a única fonte de financiamento do SNS. Há, pois, que encontrar formas alternativas, para o que é necessário alguma imaginação e, sobretudo, muita determinação política. Existem várias opções cujas vantagens e desvantagens necessitam de ser previamente avaliadas. A alternativa é o afundamento progressivo do SNS como garante da continuidade da prestação de cuidados de saúde ao cidadão. Tanto os cidadãos como os profissionais e os dirigentes têm que assumir as respetivas responsabilidades e reconhecer que se atingiu o ponto crítico e que não é mais possível continuar a pretender que o problema apenas aflige os outros e que lhe somos imunes. Assim, talvez nem tenhamos que fazer mais do que acompanhar a evolução daqueles que se encontram à nossa frente.
O historiador José Eduardo Franco afirmou que “Portugal é um país inviável que sempre se viabilizou”. Não tenho a certeza de que podemos continuar nessa senda. Há poucos dias, Luis Filipe Pereira, Ministro da Saúde de 2002 a 2005, disse que SNS tem um “alto grau de ineficiência”. Eu já tinha dito o mesmo em 2001 (A Doença da Saúde – SNS, Ineficiência e Desperdício). A questão que se põe é: o que fez ele e, já agora, os que se lhe seguiram, para corrigir o problema?