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Opinião: Do rasgão do Vicente

05 de fevereiro às 10h47
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É frequente no imaginário romântico do Estudante de Coimbra figurá-lo de capa rasgada solta ao vento. Estes rasgões salientam muitas vezes a sua faceta aventureira e irreverente do Estudante boémio, em contraste com a formalidade da Capa e Batina. Mas, segundo a Praxe Coimbrã, os rasgões na Capa nunca foram previstos ou estipulados! Nem havia antigamente razão para tal! No entanto, este vazio do costume escrito levou a que ao longo das gerações proliferassem as suposições e superstições, muitas anacrónicas, mas todas à procura de espelhar, em si próprio, um pouco da Veterania de Pad’Zé.

Apesar de toda esta multiplicidade de formatos de rasgões que andam por aí, há pelo menos um rasgo particular que se destaca, sendo muitas vezes o maior deles todos, e que é reservado estritamente para a – ou as – namoradas. Este rasgo difere dos restantes, tanto no significado, como no facto de este ser o único rasgo que ficou historicamente registado e que teve ramificações na Praxe Coimbrã.

Na primeira década do séc. XX estudava em Coimbra Vicente Miguel de Paula Pinheiro de Melo, terceiro conde de Arnoso, poeta, escritor e amante de Tricanas. Estudante magro e alto, de bigode incipiente e aguerrido monarca, trocou a carreira das armas pela de Academista. Apaixonado pela vida Académica, demorou-se cá por dez anos, tendo o cuidado de reprovar meticulosamente para não perder o seu ofício. Quando terminou o curso, abriu um escritório de advocacia em Coimbra e alguém rabiscou numa tabuleta: “Bravo, bravo, levou tempo mas sempre foi!”

Durante a sua estadia em Coimbra dispersou-se por várias Tricanas tendo registado nas suas poesias a “Raquelinha da Couraça”, a “Maria José santa martirizada”, a “Assunção que morreu tuberculosa” e, sobretudo, a Deolinda. Esta, que para ele era a mais bonita, levou-o ao gesto pelo qual ficou conhecido: Tinha rebentado a Grande Guerra na Europa, e todos os moços válidos foram para ela convocados. Ao parapeito da sua janela, Vicente jurou amor eterno e, num acto de galantaria, rasgou da sua capa negra uma tira estreita que atou ao pescoço da sua namorada. Ela, por sua vez, comprometeu-se a trazer sempre ao pescoço esse rasgo da capa enquanto ele se demorasse pela guerra. Este pedaço de tecido passou então a ter o nome de Vicente e foi adoptado pelas Tricanas que passaram a usar ao pescoço uma fita similar de seda preta para prenderem o lenço ou capuz.
Hoje em dia, o rasgo do Vicente permanece como sendo o único rasgão da Capa que é feito por paixão! Fruto da passional mocidade nasceu também um outro gesto associado a este rasgo em particular, que consiste em coser o próprio, qual correctivo duma má decisão, na esperança de que a próxima “não note” e possa ter a glória de receber um rasgo do seu incólume apaixonado!

É difícil precisar se o rasgão do Conde de Arnoso é directamente antecessor ao rasgão actual que é feito no meio da Capa, mas certo é que ao longo dos tempos os Estudantes sempre viram a sua Capa como o objecto que mais sentimentalmente os representava, ao ponto de rasgaram um pedaço de si, para oferecerem em carinho a outras pessoas! ainda há alguns estudantes, poucos, muito poucos, que tratam o rasgão pelo seu nome próprio: Vicente!
Aproximando-se o Dia de São Valentim de Roma, relembra-se aqui este gesto que tão simbolicamente pesa na Capa de muitos estudantes. São muito poucos, mas ainda os há que tratem o rasgão pelo nome próprio, assim como Tricanas que o levem ao pescoço!

Do Conde Vicente de Arnoso ainda dizem, de quando morreu, que está no céu a acompanhar o Hilário em Serenatas, apoquentando o S. Pedro.

Autoria de:

Matias Correira

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