Opinião: Direitos na sociedade digital – o que os cidadãos não sabem
A Declaração Europeia sobre os Direitos e Princípios Digitais, assinada em dezembro de 2022, consagrou os direitos e princípios digitais reconhecidos pela União Europeia e forneceu a cartilha que deve orientar os decisores políticos na transformação digital.
Dar prioridade às pessoas; apoiar a solidariedade e a inclusão através da conectividade, da educação, da formação e das competências digitais, de condições de trabalho justas e equitativas, bem como o acesso a serviços públicos digitais em linha; reiterar a importância da liberdade de escolha nas interações com algoritmos e sistemas de inteligência artificial e num ambiente digital justo; promover a participação no espaço público digital; aumentar a segurança, a proteção e a capacitação no ambiente digital, em especial para as crianças e os jovens, assegurando simultaneamente a privacidade e o controlo individual dos dados; e promover a sustentabilidade.
Ainda que a Declaração não interfira com as normas legais e a sua aplicação, a sua importância política é fundamental: assinada ao mais alto nível da União Europeia, os signatários reconheceram que a sua promoção e implementação, no sentido da concretização de uma transformação digital centrada nas pessoas, é um compromisso e uma responsabilidade comum da União Europeia e dos Estados-Membros.
Uma das preocupações que perpassam a política para a sociedade digital prende-se com a consciência dos cidadãos sobre os seus direitos na economia digital. De acordo com o Eurobarómetro Especial sobre a Década Digital, publicado em julho de 2024, apenas 62% dos cidadãos têm consciência de que os seus direitos no mundo material se aplicam inteiramente no mundo digital. Se este não é um número animador, torna-se ainda mais preocupante saber que apenas 45% dos cidadãos europeus têm a perceção de que a União Europeia protege efetivamente os seus direitos digitais. Os números relativos aos cidadãos portugueses são ainda ligeiramente mais baixos (57 e 43%, respetivamente).
Esta falta de consciência dos cidadãos é ainda mais significativa quando a grande maioria dos cidadãos europeus acredita que as tecnologias digitais melhorarão a sua vida num futuro próximo: 83% no acesso online a serviços públicos; 79% no acesso e na prestação de cuidados de saúde; 76% no acesso e na utilização dos serviços de transporte; também 76% no uso, compra e venda de serviços e produtos online; 75% no acesso à educação e à formação; 74% na participação na vida democrática e na luta contra as alterações climáticas; e 69% no teletrabalho.
Em Portugal, encontra-se plasmado na Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, aprovada em maio de 2021, que todas as normas que na ordem jurídica portuguesa consagram e tutelam direitos, liberdades e garantias são plenamente aplicáveis no ciberespaço.
A Carta consagra ainda um conjunto de outros direitos em ambiente digital, propugnando princípios como a liberdade de acesso e uso, a liberdade de expressão e criação em ambiente digital, a neutralidade da internet e a cibersegurança, reiterando direitos já reconhecidos, como o direito à identidade, o direito ao esquecimento ou o direito à liberdade de criação, e estabelecendo tutelas inovadoras, como o direito de informação sobre decisões com impacto significativo na esfera dos destinatários que sejam tomadas mediante o uso de algoritmos (e que devem ser suscetíveis de recurso e auditáveis), bem como o direito ao testamento digital.
A efetiva realização dos direitos dos cidadãos no mercado e na sociedade digital não se consegue sem a promoção de um cabal conhecimento dos seus direitos.
Cabe às autoridades públicas, ao nível regional, nacional ou europeu, essa tarefa e, a cada um dos cidadãos, um comportamento ativo na busca dessa informação.