Opinião: A Quinta Liberdade

Se há coisa que a União Europeia sabe fazer bem é criar regras. Mas agora, em vez de complicar, decidiu ousar: quer dar à investigação científica o estatuto de quinta liberdade fundamental. Depois de bens, serviços, capitais e pessoas, chega o momento da ciência atravessar fronteiras sem entraves. Parece um conceito revolucionário, mas quão viável?
O recente relatório Draghi/Letta vem com a habitual pompa tecnocrática: é preciso eliminar barreiras nacionais e criar um verdadeiro Espaço Europeu da Investigação (ERA). Em teoria, isto significa que um cientista em Coimbra pode colaborar sem entraves com outro em Helsínquia, sem burocracias kafkianas nem fundos de financiamento presos em processos intermináveis. Mas sabemos que a realidade é outra: o célebre Horizonte Europa, com os seus biliões de euros, continua a ser um labirinto onde só os mais pacientes (ou os melhor assessorados) conseguem encontrar saída. A ambição é louvável, mas os números não mentem.
A União Europeia ainda está longe da meta de 3% do PIB para investigação e desenvolvimento, enquanto os EUA e a China devoram a maior parte do bolo global. Agora, o FP10, com os seus 200 mil milhões de euros previstos até 2034, promete ser o turbo desta nova liberdade. Mas será suficiente para travar a fuga de cérebros ou acabará por ser apenas mais um plano grandioso engolido pelo pantanal da burocracia bruxelense? Nada disto seria tão divertido se não fosse paradoxal. A mesma UE que nos trouxe a obsessão pelo formato correto de um pepino tenta agora convencer-nos de que será um paraíso de liberdade científica.
Mas, e se desta vez for mesmo diferente? E se conseguirmos um verdadeiro “Schengen da Ciência”? Talvez então a Europa consiga dar um salto para um futuro onde não são os regulamentos, mas sim a criatividade e o engenho, a ditar as regras do jogo.