Opinião: A Paz (im)possível

No início do fim do primeiro quartel do século XXI encontramo-nos muito longe da paz perpetua de Kant, da Jerusalém terrena cristã e do futuro radioso de Marx.
Uma centúria após as duas guerras tecnocientíficas do século passado, as duas instituições ordenadas à concórdia universal – a ONU e o direito internacional – entraram no torpor malsão que anuncia o colapso final.
Afeganistão, Ucrânia, Palestina, Haiti e Moçambique são apenas os exemplos últimos de que o mundo não deixou de ser como sempre foi.
Pois os massacres, as matanças, os genocídios têm a antiguidade da presença humana no solo terrestre, como sublinha Trinh Xuan Thuan em A Vertigem do Cosmos.
O animal humano é naturalmente ordenado ao mal, como há muito apontou Hannah Arendt. E onde há mal banal existe violência normal. Banalidade do mal e normalidade da violência são, logo, duas faces de uma mesma moeda: a de uma natureza humana onde, do ponto de vista da biologia darwinista, a força e o conflito são os comportamentos adaptativos mais adequados.
Dito de outro modo: o mal e a violência pagam. E pagam em domínio e em poder.
A real lei natural á a lei da selva. E o verdadeiro direto original é o direito do mais forte.
Donde, não dever ser causa de espanto o registo de a espécie humana ser a única que mata e inflige sofrimento por puro prazer psicológico, e não por necessidade biológica.
Apenas as barreiras éticas colocadas pela filosofia e pela religião logram, em alguma medida, domar e domesticar a nossa sede do mal. E, ainda aí, de modo muito imperfeito, como o namoro de Heidegger com o nazismo, de Sartre com o estalinismo, os autos da fé e os pogroms bem atestam.
E, no entanto, em contraponto, malgré tout, da humana aventura fica sempre o espanto de um poeta tão amargo como Gottfried Benn: “Muitas vezes me tenho interrogado, mas sem encontrar resposta, sobre de onde provém a doçura e a bondade”.
Na impossível resposta à interrogação estão os raros mas reais espaços da paz possível.