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Opinião: À Mesa com Portugal–O que comemos

21 de junho às 10h39
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Do que comemos, quase tudo é anónimo. Não sabemos de onde veio, quem fez, que caminho percorreu até chegar a nós. Talvez por isso, os produtos locais consigam um ascendente tão forte sobre as nossas escolhas. De repente, queremos ir o mais próximo possível da origem do produto na esperança de que o que consumimos tenha berço e não seja o resultado de uma prática sem alma realizada num qualquer lugar do mundo. Não me esqueço do que vi quando passei por Almeria. Foi asfixiante o trajeto rodoviário que fiz, pela costa do Sul de Espanha, por entre os 40 mil hectares de estufas, cheguei a ter a impressão que, a qualquer momento, ia ser engolida por aquelas assustadoras armações de plástico. Num território onde a água é um bem escasso, é feita produção intensiva de legumes e frutas que são depois despachadas para toda a Europa.
Por isso, sim, devemos estar atentos à origem. Mas tal não deve ser feito de forma ingénua e romântica, mas sempre ponderada e crítica. Seja no mercado, feira, loja de bairro ou grande superfície, importa fazer as perguntas certas. Também é certo que o poder de escolha do consumidor é limitado, afinal o sistema de produção agrícola deveria proteger os consumidores, sobretudo, os mais vulneráveis. Se noutras áreas é fácil dirimir a desigualdade, na alimentação, as diferenças económicas e sociais são um obstáculo grande. Nem todos podem viver no mundo perfeito dos produtos biológicos, da carne e peixe produzidos de forma ética e segura. Nem todos se podem dar ao luxo de escolher os melhores alimentos. Muitos compram o mais em conta, o mais barato, o que está em promoção. E na alimentação, raramente, esse caminho é proveitoso para o bem-estar.
Distantes do que é a produção alimentar, as famílias com menos recursos não têm oportunidade de pensar acerca do que põem no carrinho de compras. Por um lado, o apetite, por outro lado, a limitação do orçamento. Por isso, ainda que compreenda as leis do mercado, parece-me que o sistema agroalimentar não deveria ser tão implacável e quase hipócrita. Favorece a montanha da abundância de produtos baratos para depois criar nichos para quem tem possibilidade financeira de comprar caro.
A solução não passa por uma ação utópica, mas exige uma outra mentalidade na gestão do sistema agroalimentar. E isso, com tristeza escrevo, para já não me parece que esteja em cima da mesa. Até lá, insistir no esclarecimento, sempre.

Pode ler a opinião de Olga Cavaleiro na edição impressa e digital do DIÁRIO AS BEIRAS

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