Opinião- À Mesa com Portugal – Filhoses Beirãs
Pelas Beiras, de um canto ao outro, do miolo ao rebordo, não há Natal sem Filhoses. É certo que nem sempre estamos a falar da mesma coisa, da mesma receita, dos mesmos ingredientes, do mesmo saber-fazer.
Contudo, estamos sempre a falar do fritar ou, como antes se dizia, do frigir. Esse é, sem dúvida, uma linha que une todas as Filhoses das Beiras. Sendo que o Natal está próximo do momento em que se conclui a produção do azeite, talvez o “frigir em azeite” fosse uma forma de celebrar o óleo tomado como sagrado desde a Antiguidade Clássica.
A verdade é que a consoada poderia ser frugal, onde o bacalhau era só uma presença discreta a dar sabor às couves e às batatas, mas não faltavam as Filhoses para acompanhar com o café ou o chocolate quente depois da Missa do Galo.
Na metade interior da Beira, naquela que fica para lá da espinha dorsal desenhada pela Cordilheira Central, a Filhós era quase sempre esticada em cima do joelho e feita com farinha de trigo, alguns ovos, se os houvesse, e o azeite sempre acompanhado da aguardente. Na ausência dos ovos, porque mais resguardados para a venda de forma a assegurar um reforço do orçamento familiar, era o mogango ou somente a água da sua cozedura que davam uma cor amarelinha àquele doce de Natal.
Nas encostas da Gardunha, já as Filhoses levavam, sempre que possível, um toquezinho de açúcar na massa, mas quem não tinha ficava-se pelo chá preto adocicado.
O leite de cabra também entrava sendo que o resto era a arte de saber fazer um doce que, por vezes, tomava a forma de uma flor para além do formato circular irregular.
Mas nem sempre a Filhós era feita com a farinha triga fina e miudinha moída em mó alveira, nas faldas mais frias da Serra do Buçaco, quando o ano não era de trigo, as filhoses eram de centeio. Ficavam escuras e eram feitas com o auxílio de duas colheres. Um fiozinho de mel adocicava e adornava estas filhoses não menos saborosas.
Já na minha terra, às Filhoses nós chamamos Belhoses e à abóbora cozida e bem espremida juntamos farinha de trigo, apenas em quantidade suficiente que enxugue a massa da abóbora.
Nem ovos, nem açúcar, nem azeite, nem laranja, nem leite. Somente aguardente adicionada com a mão certa, o mesmo é dizer, nem a mais nem a menos. E uma pitadinha de canela que também adoça. Fritas em pequenas bolinhas em tempo suficiente a assegurar que ficam enxutas sem ficarem secas, são depois passadas por canela e açúcar.
E o regalo é sentir a textura mole, ligeiramente húmida, e o aroma da aguardente em contraste com o rico sabor da Abóbora Menina.
Do resto, nada mais a contar, somente a fazer, praticar. E eu, perdida que sou por Filhoses, por todas elas, dou-me por feliz por viver numa região que me oferece tantas receitas. Na noite de Natal conto histórias em silêncio em cada pedacinho de filhós. Das que têm ovos às que não têm. Das que são espichadas às em forma de flor.
Das que são de farinha triga às que são de farinha centeia. Verdade é que em todas elas mora uma vontade sagrada de fazer os outros felizes, de dar um mimo em noite fria de Natal.
E essa é a maior beleza do Natal, fazer os outros felizes com o que temos para lhes dar. Ainda que a oferta seja somente uma filhós em forma de boneco ou boneca, carinhosamente posta no sapatinho, como acontecia pelas nossas Beiras em tempos em que o Natal era muito mais do que a troca de presentes.
É tão bom viver o Natal naquilo que a época nos oferece de melhor. Um Santo e Feliz Natal!