Opinião: À Mesa com Portugal: empregado de mesa
O cozinheiro já tem lugar reconhecido. O pasteleiro vai a caminho. Só o empregado de mesa parece continuar no Portugal dos pequeninhos. Não se valoriza a profissão e os candidatos nas escolas diminuem a olhos vistos. Espécie de profissão do antigamente, precisa da nossa atenção. E porque será?
Cada vez mais, o self-service impõe-se como uma opção para as empresas. Poupa-se nos colaboradores que fazem serviço de mesa e o orçamento fica mais folgado. Sim, por detrás desta escolha, estarão com toda a certeza vantagens económicas para a empresa. Mas não é só isso.
É que os clientes não sabem ser clientes, são abusadores na confiança, no respeito e na consideração pelo trabalho de quem serve. E o mundo é muito mais do que a divisão entre os que servem e os que são servidos. Estes últimos não percebem que ser servido é uma gentileza, é uma benesse. Ao invés, comportam-se de forma arrogante trazendo os humores para a mesa do café ou do restaurante, esquecendo-se sempre de qualquer coisa, como um copo de água, o cinzeiro, o adoçante ou outra coisa qualquer que já sabiam ir precisar e, por vezes, nem olham para quem está a servi-los. O “obrigado” também escasseia.
E quem serve sente o olhar de soslaio de quem é servido. O sorriso amarelo ou a piada ácida. E quem serve anda para trás e para a frente. Ouve pacientemente os desabafos. Leva para trás e vai aquecer. Vem e recebe a indicação de que, afinal, não era aquilo que se pretendia. Para não dizer que ainda se ouve muitas vezes “o cliente tem sempre razão”.
Talvez, tenhamos saído há muito pouco tempo do Portugal dos pequeninhos e quem era pequeninho agora precise de se sentir grande. Sentir o poder fez inchar o peito e a insolência de se achar acima dos outros. No ano anterior, no pós desconfinamento, aumentaram sobremaneira os registos nos livros de reclamações em hotéis, pastelarias e restaurantes. Apetece dizer que, frustrados até à raiz dos cabelos, os clientes descarregaram nos que estavam à mão, sobretudo, nos que são supostos ficar em silêncio e aguentar com um sorriso.
Talvez por isso, ser empregado de mesa não seja uma profissão aliciante e não cative os jovens. Talvez, por isso, desapareçam da realidade hoteleira. Se todos fossemos melhores pessoas e mais empáticos com o esforço do outro, talvez tudo fosse diferente. É que o empregado de mesa, aquele que é treinado para o ser, merece e muito. A leveza, a agilidade, a discrição de quem está sempre atento, mas que não se faz notar, podia dar ainda mais brilho à cozinha portuguesa.
Os que saem da formação vão direitinhos para os bons restaurantes onde se afirmam como excelentes profissionais buscando mais e mais formação. Aqui, já não servem somente. Contam-nos histórias. Fazem-nos sentir aconchegados pelas memórias que nos passam para além da comida que nos servem. Encantam pelo modo como nos rodeiam de atenção e nos sugerem um prato, uma sobremesa, um vinho ou um passeio pela região. Como nos fazem sentir em casa e nos dão sempre o lado sorridente da vida. Vamos olhar o empregado de mesa e reconhecer o seu valor?
Excelente artigo! Parabéns!!
Poucos conseguem ver mais além…
Muito obrigado! Um tema que vai dar que falar num futuro próximo 🙂