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Opinião: À Mesa com Portugal – De gosto “Blasé”

03 de dezembro às 13h53
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Devíamos cuidar melhor a nossa aptidão para o gosto. Na verdade, foi ela que ao longo da existência humana ajudou a tomar opções alimentares. Distinguiu o comestível do não comestível e favoreceu a sobrevivência numa aventura plena de emoções.
O que é certo é que se, se ao longo do tempo, tal nos ajudou a evoluir mais parece que, atualmente, estancámos e desenvolvemos uma espécie de inadaptação para o gosto. Ou seja, no paradoxo alimentar atual criámos uma dificuldade em sentir o sabor, somos, crescentemente, uma extensa maioria de inadaptados do gosto.
Mais do que alimentos ou criações culinárias, hoje comemos chavões, conceitos, ideias. E a alimentação não é uma ideia, é uma realidade que se tem de materializar em sabor. Mais do que a comida, é o nome do cozinheiro, a distinção recebida, a ligação à sustentabilidade ou a outro qualquer conceito da moda, que muitas vezes leva as pessoas aos restaurantes. Tira-se a fotografia, publica-se o postal gastronómico e segue-se em frente em direção à próxima “experiência”. Pergunto-me muitas vezes, qual foi a memória que ficou dessa “experiência”.
É claro que para tudo isto contribui a imensa pressão que pesa sobre as costas dos cozinheiros para a criação perfeita. Do modo como se espera que simples humanos sejam divinos todos os dias. A criação culinária não acontece por inspiração sagrada, nem é uma luz que se atravessa no espírito dos cozinheiros. Tal só existe num entendimento pobre e redutor como se a cozinha fosse um palco sempre pronto a receber as luzes da ribalta. Não existe isso, nem tal é saudável. Existe sim o fazer e melhorar todos os dias, aceitando as regras do que é a gastronomia.
Depois somos de gosto, cada vez mais, “blasé”. Conhecemos as últimas tendências, mas esquecemos conhecer bem aquilo que comemos. Dizemos carne e peixe sem perceber as diferenças entre as várias carnes e os vários peixes. Nas primeiras, para além de um conhecimento sobre as raças, já seria bom saber distinguir um borrego de um cabrito e a respetiva linhagem. Nos segundos, saber mais sobre os peixes da nossa costa e como cozinhá-los daria um bom andamento a um consumo mais responsável de um recurso que temos em abundância, mas que devemos acarinhar.
Do mesmo modo, a industrialização alimentar dissipou a diferença entre os ingredientes e o receituário. As massas, os recheios, os molhos, feitos em contexto massificado fazem com que tudo saiba ao mesmo. A alma de um simples pão ou de uma broa dilui-se numa normalização de sabores.
O gosto “blasé” é uma consequência de uma iliteracia alimentar que prejudica a nossa saúde e o futuro do nosso planeta. É certo que tal não é responsabilidade exclusiva dos consumidores. Em boa verdade, muitos procuram saber mais. Mas a questão é a disponibilidade da informação e o modo como ela não chega aos consumidores, sobretudo aqueles que estão em formação como as crianças e jovens.
É preciso saltar da indiferença. Precisamos apurar o gosto, refiná-lo nas pequenas diferenças. Mais do que o pensar, vamos senti-lo. Ele está lá disponível para nós.

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