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Opinião: À Mesa com Portugal – A inocência do Testo

14 de janeiro às 12h32
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Dizem que “quando se faz uma panela, faz-se logo o testo para ela.” Habitualmente, utilizado para descrever a inevitabilidade das relações humanas (ou não, a julgar pelos testos esbeiçados que sobrevivem moribundos em prateleiras esquecidas), há para mim uma história para contar e não é assim tão simples quanto isso. Certo é que até poderia ser apenas um elemento decorativo, mas não é. Ocupa um respeitável lugar na cozinha e muitas das nossas receitas não seriam iguais se não fosse a sua presença.
Não estava lá para comprovar, mas aposto que terá sido a otimização da energia uma das principais razões que levou à criação deste elemento na cozinha. Afinal, uma panela sem testo não rentabiliza a fonte de calor que está a ser utilizada para cozinhar. Demora muito mais tempo a atingir o ponto de fervura pela perda de calor que a ausência de testo favorece. Por isso, acredito que num tempo em que a energia não estava tão disponível como está hoje, os nossos antepassados tenham sido levados a pensar que reter o calor com uma tampa seria uma ação, mais do que criativa, capaz de lhe trazer vantagens.
Conseguiam cozinhar mais com menos energia, isso é certo. Punham a panela sobre um lume brando, bem tapadinha com os vegetais lá dentro a boiar na água e iam à sua vida regressando somente quando já era hora da refeição. Lentamente, a cozedura ia-se fazendo ficando o caldo bem saboroso com os sucos dos legumes e de algum bocado de carne ou de unto. Certo é que a água não evaporava tão facilmente e mantinha-se constante a sua temperatura. Muito da história do Cozido conta-se assim e das sopas também.
A caldeirada nunca seria tão boa se a panela estivesse destapada. Lá se ia o fantástico caldo que se forma com a redução dos sucos dos peixes e dos legumes. Secava o peixe, secava o caldo, secavam as batatas e a cebola ficaria reduzida a nada. Tenho cá para mim que o apuradinho nunca seria igual se não fosse o testo que deixa que tudo sue sem pressas.
Um coelho guisado precisa de intimidade na panela, precisa que os ingredientes se encontrem, convivam e partilhem o melhor de si. O azeite, a cebola, o alho, o louro, a salsa, o vinho e outros temperos que são segredo de cada cozinheira, não estão ali para um encontro fortuito e repentino. No recato da panela, bem aconchegado pelo testo, o vinho entranha-se na carne, curte a magra carne do coelho tornando-a saborosa com a ajuda de todos os outros condimentos. O tempo, o lume brando, os ingredientes, são importantes, mas o testo é imprescindível. Uma espécie de autor moral de todo o resultado final.
E depois, é claro, já fora do lume, o testo permite a conservação do calor. Destapada, a panela esfria e deixa arrefecer o seu conteúdo. Selada com o testo, mantém o temperatura e evita que a comida fique fria. Muitas vantagens para o nosso querido e amado testo. Que não tenhamos a veleidade de o reduzir a provérbios circunstanciais que lhe retirem a importância. Acho até que deveríamos fazer um hino ao testo, como ao fogo ou à panela. Afinal, um testo não é só um testo, é um céu que abriga a nossa arte culinária. A inocência do testo, ou talvez não.

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