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Opinião: A Loucura do Século XXI

08 de março às 17h37
2 comentário(s)

Nas últimas semanas, tenho refletido sobre a loucura e os seus processos sociais. Não apenas a loucura enquanto doença mental, à qual a Organização Mundial da Saúde já chamou de epidemia silenciosa do século XXI, mas também a loucura coletiva em que estamos imersos. Não se trata apenas de diagnósticos clínicos, de depressão, ansiedade ou transtornos psicóticos, que se multiplicam num mundo cada vez mais desigual e instável. Trata-se de um delírio mais amplo, estrutural, que afeta o modo como vivemos, organizamos as nossas sociedades e nos relacionamos uns com os outros. O sofrimento psíquico não é uma mera questão individual, ele expressa-se enquanto sintoma de um sistema que nos empurra para a exaustão. As crises políticas, sociais e ecológicas que se avolumam têm um papel central. Elas são o combustível de um mal-estar crescente, incontrolável. Assistimos à erosão dos laços sociais, à fragilidade das redes de apoio, à normalização de uma precariedade emocional que se traduz em vidas instáveis. Se, em outras épocas, a loucura era confinada nos asilos, hoje, ela está disseminada no quotidiano, mascarada de muitas formas, de hiperprodutividade, isolamento e consumo desenfreado.

Na atualidade o sofrimento é também uma mercadoria. Vendem-nos soluções rápidas de todos os tipos, desde comprimidos para a ansiedade, apps de meditação para combater o stress, cursos de mindfulness para aguentar jornadas de trabalho intermináveis. Mas raramente nos questionamos por que motivo adoecemos tanto. Raras vezes nos perguntamos que sociedade é esta, onde o sofrimento humano se tornou uma inevitabilidade normalizada.

A verdade é que os modelos de vida que nos impõem produzem doença mental e isso não é novidade. O afastamento da natureza, por exemplo, é um fator frequentemente negligenciado nessa equação. Diversos estudos demonstram que o contacto com espaços verdes reduz o stress e promove o bem-estar. Mas quantos de nós vivem privados da experiência mais fundamental que moldou a nossa espécie? Em vez de convivermos com a natureza, domesticamo-la, empurramo-la para parques artificiais ou para fotografias nas redes sociais. E, ao perdermos essa relação primordial, perdemos também algo de essencial dentro de nós. Num mundo que queima florestas para expandir monoculturas e explorar recursos, que sentido faz recomendar passeios ao ar livre como terapia? Não estaremos assim a medicalizar da natureza? Como podemos falar dos benefícios da natureza enquanto destruímos os ecossistemas que nos sustentam?

Se outrora a loucura era segregada, hoje é premiada, eleita, idolatrada, acumulando fortunas e decidindo o futuro de sociedades inteiras. O que significa viver num tempo em que a razão vacila, em que os limites desaparecem e em que os mais insanos são os que conduzem a humanidade para a beira do abismo? Se há uma loucura a temer, talvez seja esta: a de um mundo que já não distingue delírio de estratégia, caos de progresso, destruição de poder e ganância de solidariedade.

Precisamos de sociedades que cuidem, que nos reconectem. Se a expressão da loucura do século XXI é a destruição do nosso cérebro, das nossas relações ou do próprio planeta, qual será a verdadeira sanidade? Resistir. Encontrar formas de viver mais solidárias, comunitárias e próximas da nossa ligação central com a natureza – um caminho que nos restaure e nos devolva a humanidade.

Autoria de:

Fátima Alves

2 Comentários

  1. Cristina Carla Jardim Ferreira diz:

    No século XXI o foco da saúde mental e física, nunca foi tão forte, contudo há um crescimento na prática de atividades como yoga, meditação e dietas mais saudáveis, buscando um equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, sendo a saúde e o bem estar como prioridade.

  2. Cristina Carla Jardim Ferreira diz:

    Crises econômicas, pandemias, conflitos políticos e desigualdade social fazem parte da realidade do século XXI. A capacidade de adaptação e resiliência se tornou essencial, para lidar com essas incertezas.

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