Opinião: A falta de professores como acelerador da mudança
1 A crise da educação não é um problema novo nem especificamente português. É um problema global que traduz a dificuldade, ou mesmo incapacidade, de dar resposta ao direito de todos à educação consagrado na DUDH ( 1948 ), e reafirmado em Jomtien em 1990 na Conferência Mundial sobre Educação Para Todos (EPT). A escola de elite excluía e proibia a frequência por razões económicas, étnicas, de género, limitações físicas e mentais; a escola inclusiva abriu-se a todos e obrigou a investimentos gigantescos em novas escolas, professores, material escolar, em proporções incompatíveis com os orçamentos do Estado. O número de professores cresceu na proporção inversa dos salários, conduzindo a uma classe docente deprimida, desprestigiada, empobrecida, com condições de trabalho insuportáveis que conduziram ao burnout em grande escala e ao abandono da profissão. Lutamos hoje para ter educação para todos, mas não temos professores para todos. A falta de professores vai ser o acelerador da mudança inevitável.
A violência da vida errante e instável dos professores está devidamente diagnosticada e mostra que não foi apenas a questão salarial a provocar a fuga. Muitos professores deixaram de ter vida própria e preferiram aceitar vencimentos ainda mais baixos em empresas ou instiuições estáveis que não obriguem a uma escola assente na mobilidade. A instabilidade aumentou as desigualdades e a excluão dos alunos mais vulneráveis, condenados ao isolamento por não terem acesso às novas tecnologias.
2 – Deixei de ir ao Banco, como fazia há uns anos atrás. Hoje posso fazer todas as transações – pagamentos, transferências, levantamentos – a partir do telemóvel, do PC ou do MB. A Banca transferiu para os clientes todas as operações correntes e da forma mais simples. No supermercado não preciso de ajuda para meter no carrinho tudo o que preciso, nem para pagar, o que faço sozinho na máquina à saída. O mercado transferiu para o cliente a tarefa e o tempo de abastecer, confiou os pagamentos a uma máquina e pôde dispensar uma parte importante dos seus trabalhadores. Este vai ser o caminho inevitável da escola e a falta de professores é o maior acelerador para este processo. Kai-Fu Lee e Chen Qiufan (Inteligência Artificial 2041, Relógio d’Água, 2021 ), salientando que a tecnologia mudou radicalmente a forma como trabalhamos, brincamos e viajamos, está a mudar também a forma como ensimamos e aprendemos. Nesta mudança, precisamos de bons professores, preparados para uma escola radicalmente diferente daquela que herdamos do séc. XIX, que persiste e resiste em caminhos que foram inevitáveis no passado, ignorando que hoje temos autoestradas e veículos de nova geração e que o saber já não está concentrado no professor mas está ao alcance de todos. Como no supermercado, cada aluno pode procurar o que precisa, na escola ou em casa, e que um simples telemóvel inteligente transporta todo o saber do mundo.
Precisamos de professores altamente qualificados para orientar a geração Z, mas as tarefas rotineiras, como no hipermercado ou no banco, podem ser desempenhadas pelos próprios alunos, por máquinas ou por robôs. Há décadas que reclamamos a centração das aprendizagens nos alunos, o fim dos programas uniformes, mesmo se rotulados de flexíveis, porque os exames são inflexíveis e deixam na escuridão todos os talentos que tantos alunos não têm oportunidade de mostrar. Hoje as tecnologias permitem que cada aluno siga o seu sonho, com a orientação da família e dos professores. As crianças e os jovens precisam que lhes apontem o caminho quando desorientados, mas são eles que têm de o percorrer.
Os bons professores e a sua “arte” para acompanhar os alunos não estão limitados a ensinar 20 ou 30 alunos fehados numa sala. As suas “lições” podem ser disponibilizadas e divulgadas em qualquer lugar ou em qualquer país, em qualquer língua, ao serviço de aprendentes de qualquer geografia. A boa gestão dos melhores professores pode reduzir e aliviar drasticamente o orçamento da educação e permite duplicar ou triplicar o seu salário e atrair muitos dos candidatos que procuram as melhores remunerações. A obra citada de Lee e Qiufan faz uma análise global das múltiplas esferas da vida atual, mas é no capítlo 3, “Os Pardais Gémeos” (pp. 57-145 ), que prevê o futuro da educação assente nas tecnologias emergentes e na Inteligência Artificial (IA). É a história de dois irmãos gémeos, orfãos de pai e mãe aos cinco anos, devido a um acidente de automóvel. A epígrafe (p. 91 ), transcrita de Herman Hesse, traduz bem a “filosofia do texto: “Somos sol e lua, caro amigo, somos mar e terra. Não é nosso propósito tornarmo-nos um no outro; é reconhecermo-nos um ao outro, aprender a ver o outro e a honrá-lo pelo que ele é: o oposto e o complemento um do outro”. Aparentemente iguais, de início, a escola e a vida mostraram duas pessoas muito diferentes, o que não impediu que revelassem talentos singulares em momentos e áreas muito diversos. A sua educação ficou marcada por uma liderança humana muito próxima e por um acompanhamento permanente por dois robôs configurados de acordo com o perfil de cada um, com capacidade para mostrar os caminhos mais adequados aos talentos de cada um, tão diferentes como é diferente o sol da lua ou o mar da terra. Temos um novo Governo e um novo Ministro enfrentando problemas que vêm de longe e que levarão tempo a resolver. Mas têm uma “bússola” nova que pode indicar e iluminar o caminho. A crise dos professores só será bem resolvida se olhar para o futuro com confiança e liberto da nostalgia do passado.
De juncalense para juncalense: – ” o (des)governo não lê os jornais do interior “, e, só ler, também, não é suficiente.
Excelente opinião.