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Opinião: Espiritualidade

13 de setembro às 15h52
5 comentário(s)

Pouco a pouco, o tema da espiritualidade entrou nas nossas vidas. Sempre aconteceu em tempos de crise e não é de estranhar. Mas hoje, o espiritualismo impõe-se com grande racionalidade e sem o secretismo com que existiu durante as grandes catástrofes do século XX. Não se trata de religiosidade, e muito menos da referência a uma dada religião, mas também não as exclui (embora exclua naturalmente os fanatismos religiosos). Trata-se, sobretudo, de um estado interior que se pode cultivar em tempos de mudança.
É também inegável que a cultura oriental tem penetrado no Ocidente, onde as disciplinas da Meditação budista e do Yoga indú estão presentes e são praticadas. Na sua expressão mais simples, elas consistem em adoptar uma postura correcta e sentir apenas a respiração: o ar frio que entra pelo nariz e o ar, aquecido pelo corpo, que se expira lentamente. E hoje sabe-se que cada emoção tem um ritmo respiratório diferente, e que cada tipo de respiração pode induzir uma determinada emoção. Aquela que se cultiva durante a prática meditativa é semelhante à da alegria. Também se sabe que a respiração está implicada em várias perturbações mentais, desde os ataques de pânico, fobias e ansiedade, até aos estranhos estados dissociativos e mudanças de personalidade.
Os mais relevantes psicólogos americanos que, no século XX, estudavam as emoções, dedicaram-se, no virar do Século, ao estudo neurocientífico das práticas budistas e seus resultados. Foram precedidos por um encontro, em 1982, entre Richard Davidson e o Dalai Lama, a convite deste último, que lhe disse: “Você tem usado ferramentas modernas da neurociência para investigar ansiedade, medo e depressão. Porque não usa essas mesmas ferramentas para estudar bondade e compaixão, as qualidades positivas da mente?” Outra questão, nova para os neurocientistas, era: “Se as alterações do cérebro alteram a mente, não poderá também a mente mudar o cérebro?”
Desde então, não parou a colaboração entre neurocientistas e praticantes da Meditação. Pôde-se assim demonstrar que esta prática repetida produz de facto mudanças reais e permanentes do cérebro e sua actividade. E essa mudança está ligada à chamada “felicidade”, tanto quanto ela se pode medir. Em causa podem estar as atitudes de perdão, compaixão e empatia, mas também alguns estados de “iluminação”.
É difícil definir estes estados. Muitos falam de transcendência (estar fora de si), mas também de sincronização. Sincronização com os outros (imagine-se a acertar o passo com outra pessoa ou a fazer parte do público que assiste a um concerto e dança em uníssono ao ritmo da música), mas sobretudo sincronização com a natureza, nela incluindo animais, plantas, seres vivos, ou mesmo com os astros (dormir de noite e levantar-se com o sol significa que estamos em sincronia com a rotação da Terra). É interessante constatar que são as mulheres que, em maior número, se dedicam a estas práticas. Parecem fazê-lo com a naturalidade que a sua raiz telúrica e tendência cuidadora implicam. Seja como for, esta volta à natureza é decisiva para o futuro da humanidade e do planeta. Espiritualidade é talvez isso.

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5 Comentários

  1. Susana 0066082 diz:

    Saiba o Sr. José Luís Pio de Abreu que a doença, o negativo, sempre causou muito mais frisson aos humanos como tema de investigação no ocidente, do que a saúde, o positivo.
    A questão da relação entre mente e cérebro, que é aquela que subjaz às interrogações acerca da meditação, não é nova. É velha. Tal como permanece velha a questão outra, para os neurocientistas: “Se as alterações do cérebro alteram a mente, não poderá também a mente mudar o cérebro?”. Questão velha e não resolvida pela melhor Neurociência.
    Atente o Sr. José Luís Pio de Abreu no seguinte…
    Como escreve o Sr. J. J. C. Smart, em 2007, e muito bem, a teoria identitativa da mente defende que estados e processos da mente são idênticos a estados e processos do cérebro. Em sentido estrito, tal afirmação não obriga a tomar a defesa de que a mente é idêntica ao cérebro. Idiomaticamente usamos “Ela tem uma mente brilhante” e “Ela tem um cérebro brilhante (comummente em português, cabeça)”, de modo intermutável, mas dificilmente nos atreveríamos a dizer “A mente dela pesa 1417.476 g”. Considere-se a experiência de ver alguém de quem se gosta, ou de ter uma imagem mental de alguém de quem se gosta. Segundo a teoria identitativa da mente, estas experiências são apenas processos cerebrais, e não meramente correlacionadas com processos cerebrais. Mas saiba também o Sr. José Luís Pio de Abreu que há quem defenda que apesar das experiências serem processos cerebrais, elas, experiências, possuem contudo, propriedades não-físicas, psíquicas, por vezes designadas 'qualia'. A teoria identitativa da mente nega a existência destas propriedades não-físicas irredutíveis.

    Já a sincronização é um assunto mais complicado, que tanto está relacionada a cérebros, como a pêndulos e metrónomos, e veja-se lá bem, a pirilampos. E sendo todos eles existentes distintos, têm contudo, alguma coisa em comum.
    https://www.youtube.com/watch?v=k72jGJTC_3o

    Já que a rubrica aqui é a Espiritualidade, e qui sapit a gosto do Sr. José Luís Pio de Abreu, relembra-se-lhe que também o Conhecimento deveria ser como a linha de prumo na mão Zerubabel. Mas infelizmente, nem sempre é.

  2. Susana 0066082 diz:

    Zerubbabel, Sr. José Luís Pio de Abreu. E não Zerubabel.

    Aqui tem uma melhor exemplificação do síncrono.
    https://www.youtube.com/watch?v=_pwXKKaSJ58

    • Lourenco diz:

      Faltou a preposição, não foi? O Conhecimento deveria ser como o fio de prumo na mão de Zerubbabel. Mas infelizmente, nem sempre é.

  3. Regina Cludia Tralho diz:

    «imagine-se a acertar o passo com outra pessoa ou a fazer parte do público que assiste a um concerto e dança em uníssono ao ritmo da música» Belíssimo!

  4. Jos Palha diz:

    Congratulo-me que um colega psiquiatra venha falar da espiritualidade. Tenho escrito há vários anos sobre este tema e acho-o cada vez mais atual. A confusão que há entre religiões instituidas e espiritualidade é enorme. É pois preciso que profissionais da mente falem do assunto e façam essa distinção. Desde os Gregos que se fala no BOM no BElO e no JUSTO e no oriente há milhares de amos que grandes pensadores falam no assunto como um meio de tornar as pessoas mais felizes e com objectivos na vida. Continue a aprofundar este tema e lembre-se que outros médicos como o nosso colega que foi presidente da Pzaizer já escreveu vários livros sobre o assunto de grande interesse. Há muito para investigar sobre o que é a consciência e pouco se tem feito porque não dá dinheiro. Parabéns!

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