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Opinião: Castigo e crime

12 de outubro às 12 h19
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O direito penal e o sistema penitenciário constituem autêntica marca de água de um processo civilizacional.
Onde encontramos duras leis penais e brutais locais de encarceramento, encontramos a selva.
As tiranias, nesta sede, são de prodigiosa eficiência. Perpetuam-se pelo terror. E o terror assume máscaras anódinas: aplicação retroativa de leis criminais, engenhosa criação de tipos penais vagos e abstratos — como os crimes contra o povo alemão, de Hitler, ou contra a classe operária, de Estaline — , normalização da prisão perpétua e da pena de morte, dessensibilização da morte branca no gulag e da morte sufocante nas colónias penitenciárias.
A Europa, na ressaca da segunda guerra mundial, escolheu o caminho do direito penal humanista, com a prisão a funcionar como sanção de último recurso. Na verdade, a longa privação da liberdade física, numa vida biologicamente sempre breve, corresponde a uma verdadeira morte em vida. E a uma quotidiana morte para a vida.
Daí o cuidado com a duração das penas, a opção preferencial por sanções de natureza pecuniária, a preocupação com as garantias procedimentais, de que é exemplo maior a obrigatoriedade do suspeito ser assistido por advogado quando objeto de investigação por autoridade policial ou judiciária.
Daí a proibição da condenação por subjetiva convicção do humano julgador e a imperativa absolvição em caso de sombra de dúvida.
Tudo isto se vem perdendo. Das Américas não vem apenas a sociedade de consumo e a cultura pop. Vem a banalização cinematográfica da violência e da morte. Vem a confissão, renovada rainha medieval das provas, arrancada a ferros, em longuíssimas inquirições policiais, a infortunados sem acesso real a advogado.
Vêm condenações de dezenas de anos, por bagatelas acidentais. Vem a cadeira elétrica e a injeção letal, em morte espetáculo com plateia de lugares reservados.
Vêm repetidos erros judiciários. E vidas que não se podem viver uma outra vez.
Vem o clamor popular dos que baixam o implacável polegar.
Vem, uma outra vez, a barbárie.

Autoria de:

Manuel Castelo Branco

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