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Opinião: A Resiliência de uma Ministra contra os Profissionais de Saúde

01 de dezembro às 12h03
1 comentário(s)

A frase de Marta Temido sobre a falta de resiliência dos profissionais de saúde, não foi apenas um momento infeliz na vida de uma Ministra…
Marta Temido lida muito mal com a crítica e contrariedades e não percebe que o lugar de Ministra está sujeito a essa mesma critica, tantas vezes justa, outras vezes não. Devia por isso compreender que uma crítica não é um ataque pessoal, e que a manifestação de uma discordância não significa um atestado de incapacidade.
A Ministra da Saúde pode até não estar de acordo, mas tem de estar aberta ao dialogo com todos os intervenientes na área da saúde. Ser Ministra da Saúde implica comprender que a prestação de cuidados de saúde não se exerce sem profissionais de saúde entre os quais Médicos e Enfermeiros, e que estes juraram defender os interesses dos doentes acima dos interesses de administrações hospitalares, ministros, ou governos.
Os actuais governantes têm de perceber que os Médicos não são “cobardes” nem os enfermeiros são “criminosos” quando denunciam as condições precarias em que exercem a sua actividade ou quando pedem escusa de responsabilidade quando entendem não existirem condições de segurança para o exercicio das suas profissões. Na verdade, a Saúde não se aprende nos Cursos de Gestão da Escola Nacional de Saúde Pública, não é uma área meramente administrativa gerivel em gabinetes por administradores hospitalares que não conheçam bem a realidade do terreno. Impõe-se por isso uma maior humanização na gestão e na prestação dos cuidados de saúde, os doentes não são números de uma qualquer empresa, a produção em saúde não se mede apenas pelo número de actos praticados, e um determinado tempo de espera para uma consulta ou para uma cirurgia pode significar a ausencia de cura ou até a mesmo a morte.
Insinuar em 2021, depois de dois anos de pandemia, que os profissionais de saúde são pouco resilientes leva-nos a questionar quais as reais motivações que estiveram por detrás dessa afirmação…???
Os médicos ultrapassam largamente o limite das 150 horas extraordinárias permitidas por lei e no ano de 2021 foram feitas 8,2 milhões de horas extras pelos profissionais de saúde que a Ministra da Saúde apelidou de pouco resilientes, mas que, curiosamente foram aqueles que abandonaram os seus, para cuidar dos outros… Ser resiliente, foi, para muitos profissionais de saúde ter continuado a prestar cuidados durante a primeira fase da pandemia, mesmo quando os equipamentos de protecção não existiam ou escasseavam, e talvez por isso, mais de 22 mil profissionais de saúde foram infectados pelo COVID-19 desde inicio da pandemia.
Pandemia à parte, as condições actuais dos profissionais de saúde não são cativantes e por isso se verifica um abandono dos postos de trabalho. Mas o que Marta Temido não percebe é que a cada 12 horas que passa, não é um médico que abandona o SNS mas sim que é o SNS que abandona um médico. A Ministra não percebe que, por ano, não são 4500 enfermeiros que abandonam o trabalho no seu país, mas sim 4500 enfermeiros que se vêm abandonados pelo seu país recorrendo a trabalho no estrangeiro. E então, porque não procurar melhorar as condições daqueles que aqui trabalham, procurando a sua permanencia nas nossas instituições em vez de tentar incentivar o aumento de “fornadas” de profissionais pouco qualificados e inexperientes saidos das faculdades?
Portugal é o terceiro país da União Europeia com mais médicos por 100 mil habitantes ( 515 médicos por 100 mil habitantes), muito acima da média europeia de 278 médicos por 100 mil habitantes . Não faltam por isso médicos, e a criação de mais Faculdades de Medicina não vai contribuir para a resolução de nenhum problema de recursos humanos mas apenas ajudar criar mais alguns: desemprego, aumento da imigração e mão de obra qualificada mal paga.
Porque não olhar para os reais problemas da falta de investimento nas estruturas de saúde hospitalares? Portugal é um dos oito países com menos camas em hospitais por 100 mil habitantes e talvez por isso existam tantas limitações e constrangimentos nos cuidados de saúde.
Numa altura em que se assiste a um ataque sem precedentes às Ordens Profissionais, é importante esclarecer a população em geral de que as Ordens Profissionais não são simples associações corporativistas mas sim as entidades responsaveis pela formação técnica dos seus profissionais, pela elaboração e fiscalização dos principios éticos e deontológicos e pelo controlo do rigoroso exercicio dos seus profissionais. Por isso querer alterar o estatuto das Ordens Profissionais, é querer politizar estruturas verdadeiramente independentes, é terminar com aquelas que são, no caso da saúde, o verdadeiro provedor do doente.
Marta Temido não percebe que ser Ministra da Saúde significa defender o Sistema Nacional de Saúde como um todo e não exclusivamente o Serviço Nacional de Saúde (SNS), porque mais importante do que a lealdade ideológica, é a prestação de cuidados de saúde de qualidade à população. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) torna-se competitivo pela valorização dos seus serviços, pelo estimulo e reconhecimento dos seus profissionais e não pelo ataque permanente às estruturas privadas de saúde do país. A cativação de profissionais de saúde no SNS consegue-se com melhoria das condições de trabalho, com os incentivos às progressões das carreiras, com o desenvolvimento de projectos ambiciosos de realização profissional e não apenas com medidas autoritárias de exclusividade ou apelidando esses mesmos profissionais de pouco resilientes. Mas Portugal precisa de mudar de paradigma para que o direito à saúde seja uma realidade e não apenas algo inscrito em constituição. À semelhança daquilo que se passa em muitos países europeus, as politicas de Saúde de Portugal devem estar centradas no doente e não no tipo de prestador (publico ou privado) que lhe dá assistencia.
Por último, entendo que a valorização da resiliencia em detrimento da competência técnica, tal como Marta Temido o afirmou, pode ser, para alguns governos, um critério para a escolha de Ministros, mas não será certamente o mais adequado para a escolha de profissionais de Saúde.

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1 Comentário

  1. Manuel Gis diz:

    excelente artigo. Parabéns ao seu autor e espero que a a ministra o tenha lido e dele tire aas respetivas elações. Portugal precisa urgentemente de um SNS forte e para isso necessita se profissionais competentes e motivados.

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