Opinião: Voltamos às PPP Hospitalares?

Notícias do Observador. 8 de fevereiro de 2025 – “Este sábado de manhã, o tempo de espera na urgência-geral do Amadora-Sintra chegou a ser de 13 horas para quem tinha recebido pulseira amarela, o mais demorado entre os principais hospitais do País. Ao início da tarde, ultrapassava as 8 horas.
O recomendado para casos considerados urgentes é 1 hora”. 10 de fevereiro – “O Hospital Amadora-Sintra tem 1714 doentes à espera de cirurgia”. 24 de fevereiro – Situação agrava-se no Amadora-Sintra; urgência de Cirurgia tem encerrado aos fins de semana por falta de médicos.
Estes dados refletem uma falha grave na capacidade de resposta do hospital às necessidades da população. Nos últimos dois anos, este hospital esteve em grande turbulência, agravada por uma série de eventos dentro do serviço de cirurgia geral. No fim do ano passado, dez médicos, incluindo o diretor, apresentaram a demissão, depois de os dois cirurgiões que denunciaram más práticas clínicas no início de 2023 terem sido reintegrados. Finalmente, a 6 de fevereiro de 2025, a Administração do Hospital Amadora-Sintra demitiu-se, após uma reunião com a. Ministra da Saúde.
Voltemos agora três décadas atrás. A primeira experiência de gestão privada de um hospital público começou precisamente no Hospital Amadora-Sintra, no último ano do governo de Cavaco Silva. Em 1996, o hospital entrou em funcionamento e o Grupo Mello Saúde foi pioneiro como parceiro do Estado no sector público da saúde. O processo prolongou-se até ao final de 2008, altura em que o governo de José Sócrates decidiu o retorno à gestão pública, depois de grande controvérsia e de conflitos de ordem financeira. Aparentemente, o contrato de gestão clínica do hospital tinha várias falhas e a relação do privado com a tutela foi difícil, com vários processos em tribunal por divergências insanáveis.
A experiência haveria de ser retomada a partir de 2001, no governo de António Guterres, agora sob o modelo jurídico de Parcerias Público-Privadas (PPP), com várias entidades, nos hospitais de Cascais, Braga, Vila Franca de Xira e Loures.
Há cerca de 2 anos, a propósito do Hospital de Loures, discuti aqui o tema das PPP. Escrevi então que o modelo PPP demonstrou ser uma alternativa viável e eficiente para a gestão hospitalar. Um relatório o Tribunal de Contas, de 2021, dizia que os hospitais geridos em regime PPP “não só estiveram plenamente integrados no SNS, como também geraram poupanças significativas para o Estado, além de melhorarem a eficiência dos serviços prestados”. Por exemplo, o Hospital de Braga obteve uma taxa de resolubilidade de internamento superior a 90% em todos os anos avaliados, destacando-se entre os hospitais do mesmo grupo. Além disso, ”o cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos (TMRG) para cirurgias foi superior à média nacional, reforçando a capacidade do hospital em responder de forma célere às necessidades da população”.
Não obstante, os quatro contratos de PPP foram sucessivamente terminados pelo governo de António Costa, entre 2016 e 2022, dando assim por finda a experiência. Mas o retorno ao formato de gestão pública não foi pacífico. Algumas autarquias envolvidas chegaram mesmo a reclamar o regresso imediato às PPP. Já em 2023, ainda com António Costa, os então Ministro da Saúde e Diretor Executivo do SNS “não descartaram a hipótese de se voltar às PPP da Saúde”. E na audiência da MS na AR do passado dia 6 de fevereiro, em que o assunto do Hospital de Amadora-Sintra foi o tema principal, ouviram-se vários deputados a trazer à discussão as PPP. Finalmente, numa outra audiência, no dia 12, foi a própria ministra a admitir a possibilidade de elas voltarem!
É evidente que o fim das PPP foi ditado por razões de caráter ideológico-partidário, da chamada “geringonça”, e não por razões de eficácia de gestão. Uma significativa maioria das pessoas com conhecimento desta área, entre as quais ouso incluir-me, entendia que a experiência devia continuar, com permanente avaliação e comparação com os hospitais idênticos em gestão pública.
A questão da superioridade (ou falta dela) da gestão privada vs. pública é, naturalmente, controversa e já tive a oportunidade de a discutir em Opiniões anteriores, mas parece estar cada vez mais na berlinda com os acontecimentos dos últimos meses, que resultaram na demissão de muitos conselhos de administração hospitalares, quer por decisão própria quer por decisão da tutela. Naturalmente, tal tem uma relação específica com os critérios de seleção dos respetivos elementos, isto é, por mérito ou por razões de natureza ‘clubística’. E todos sabemos em que condições é que a última é a mais utilizada!
Um velho ditado inglês dita: “the proof of the pudding is in the eating” (a prova do pudim está em comê-lo), o que significa que o valor, a qualidade ou a verdade de algo deve ser julgado com base na experiência direta com ele – ou nos seus resultados. Ora esta prova das PPP acabou por não ser concretizada. Talvez valha a pena ‘prová-la’ de novo!
Quem muito sabe deverá ser ouvido.